Especialistas consideram que os maiores desafios da rede no Brasil são a desvalorização do real, a inflação dos alimentos e o modelo de expansão de franquias.
A empresa controladora do Outback, a Bloomin' Brands, pegou muita gente de surpresa no começo do mês quando revelou que estuda a possibilidade de vender o comando dos restaurantes da rede no Brasil.
A rede garante que as lojas do Outback não vão fechar no país, mas a possibilidade de uma mudança no controle da operação brasileira é concreta. Mas por que vender a operação se os restaurantes seguem cheios no país?
Para especialistas ouvidos pelo g1, a possível venda do negócio no Brasil pode ser uma boa alternativa para que a Bloomin' Brands levante recursos para investir e para ter uma melhor eficiência financeira no seu mercado principal, os Estados Unidos.
A operação brasileira é a segunda mais importante do mundo para a empresa. Por isso, os analistas entendem que a venda do comando da operação seria uma forma de a companhia arrecadar bastante dinheiro com a negociação, além de manter o recebimento de uma taxa sobre a receita do Outback, como um licenciamento da marca.
"É muito comum que uma companhia venda alguma operação de valor, como é o caso do Brasil para o Outback, quando a sede precisa de dinheiro", destaca Samuel Barros, reitor do Ibmec Rio de Janeiro.
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A operação brasileira da Bloomin' Brands inclui 159 restaurantes do Outback no Brasil, além de 16 unidades da rede Abbraccio e duas da Aussie Grill. É a principal operação internacional da companhia.
Em 2023, o lucro das operações internacionais da rede foi de US$ 84 milhões (cerca de R$ 432 milhões), e o Brasil responde por 87% do faturamento internacional da empresa. As vendas no país, contudo, tiveram uma pequena queda, de 0,7% no trimestre.
Uma das questões com o Brasil é que houve uma forte desvalorização do real em relação ao dólar nos últimos anos. É uma situação que reduz as margens da empresa, que continua apurando seus resultados em dólar.
Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School, explica que boa parte dos investimentos que foram feitos pela Bloomin' Brands para expandir a operação do Outback no país foram feitos em um momento em que o real estava mais valorizado. E, agora, o retorno acontece em uma moeda mais fraca.
"A nossa moeda ficou mais pobre. Antes da pandemia estava na casa de R$ 3,50 ou R$ 4. Agora, quando se transforma a receita de real para dólar, ela fica efetivamente menor", pontua Olivo.
Como o faturamento dos restaurantes no Brasil é na moeda brasileira, a apuração de resultado para uma operadora nacional pode ser mais vantajoso para ela. E, ao mesmo tempo, também para a Bloomin' Brands, já que o contrato de licenciamento poderia prever um repasse fixo para a matriz, que seria independente das flutuações do câmbio.
Alimentos mais caros e dificuldade em repassar os preços
Outro ponto que afetou não só a operação do Outback, mas de todo o setor de bares e restaurantes é a inflação dos alimentos. Samuel Barros, do Ibmec Rio, explica que a alimentação ficou mais cara no mundo inteiro, acompanhando a pressão inflacionária que surgiu após a pandemia.
"As operações tiveram um aumento significativo de custos por conta dos produtos alimentícios", diz.
A alta de preços de alimentos afeta os restaurantes em duas frentes. Primeiro, na própria matéria-prima, que aumenta a despesa da empresa. Ao mesmo tempo, alimentos mais caros reduzem o consumo da população, porque são itens essenciais e que acabam reduzindo o dinheiro disponível para momentos de lazer.
Alta de inflação também causa alta de juros. Para controlar o avanço dos preços, tanto o Banco Central do Brasil (BC), quanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) subiram suas taxas de juros, desestimulando ainda mais o consumo.
Entra aqui o dilema do setor: repassar os preços na velocidade necessária pode afastar ainda mais o consumidor. Para manter os restaurantes lotados, o Outback teve pouca margem para reajustar um produto que teve alta expressiva nos últimos anos: as carnes.
"Também vivemos um cenário em que o consumidor passou a buscar uma alimentação mais saudável, o que pode reduzir o interesse pelo tipo de comida que o Outback oferece", comenta Barros.
A companhia chega a elencar no relatório que a "reação dos consumidores à questões de saúde pública e segurança alimentar" é um dos riscos e incertezas que podem impactar as perspectivas financeiras para os próximos meses.
Nesse contexto todo, o balanço da Bloomin' Brands reconhece um esfriamento dos negócios. No primeiro trimestre de 2024, por exemplo, o tráfego de pessoas nas churrascarias do Outback teve uma queda de 4,2% nos Estados Unidos e de 3,7% no Brasil, de acordo com o balanço da Bloomin' Brands.
Já o tíquete médio por pessoa no consumo nos restaurantes da rede subiu apenas 3% lá fora e 2,7% aqui.
Modelo de expansão da rede
Rodolfo Olivo, da FIA, acredita que outro desafio que o modelo de negócios do Outback enfrenta no Brasil é a forma como a rede se expande pelo país, com franquias.
"Eu já fui franqueado e já fui franqueador, e um grande problema das franquias é que, para você expandir em número de lojas, não necessariamente você consegue ter as melhores praças", afirma o professor.
Ele explica que o formato do Outback é de ter grandes lojas, com uma estrutura semelhante, além do atendimento padrão. Esse modelo funciona bem para locais em que há um público expressivo, como as cidades grandes e bairros populosos, com bom poder aquisitivo.
Já para as cidades menores ou bairros com moradores que não sejam o público-alvo da rede, essa infraestrutura padrão pode ser muito cara e não compensar a quantidade de gente que passa pelos restaurantes.
Nesse sentido, Olivo considera que o Outback precisa olhar para uma possível adaptação de infraestrutura, oferecendo às franquias opções de espaços diferentes, que apresentem custos menores — e podem, consequentemente, gerar mais lucro.
Temor sobre os impostos no Brasil
A Bloomin' Brands também afirmou no balanço que "o impacto da anulação da isenção do imposto sobre valor agregado no Brasil" pesou sobre a receita da empresa. O g1 pediu mais detalhes sobre quais isenções a companhia considera que afetaram a receita, mas a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.
Em dezembro do ano passado, uma medida provisória enviada pelo governo ao Congresso previa o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que teve início na pandemia para impulsionar bares, restaurantes e o setor de eventos.
Mas a medida só passaria a valer a partir de abril deste ano, depois do período de apuração dos resultados do primeiro trimestre da empresa. No fim do mês, o governo acabou optando por manter o Perse até 2026.
Apesar de, na prática, o incentivo não tenha sido retirado há tempo de impactar as contas da companhia, Samuel Barros, do Ibmec Rio, ressalta que somente a especulação em torno do tema já é o suficiente para mudar as perspectivas de faturamento da empresa e afetar o valor das ações.
"Com a expectativa de que haveria a retirada do Perse, as empresas precisam fazer todo um planejamento, um provisionamento, uma reserva de capital para lidar com a possibilidade de ter mais gastos. Isso já basta para impactar no preço das ações", destaca.
Perspectivas
Além do Outback, os especialistas ouvidos pelo g1 acreditam que outras empresas internacionais com operação no Brasil podem se interessar por realizar o mesmo movimento, já que a receita em reais não pode não compensar mais tanto quanto antes.
Por enquanto, a venda do controle do Outback no Brasil ainda é apenas uma possibilidade. Em seu balanço corporativo do primeiro trimestre, a empresa disse que " está explorando e avaliando alternativas estratégicas para as operações no Brasil que tenham o potencial de maximizar valor para nossos acionistas, incluindo, mas não se limitando a, uma possível venda das operações".
Enquanto isso, a Bloomin' Brands se limita a dizer que persiste no compromisso de "manter os restaurantes em pleno funcionamento para continuar proporcionando de forma consistente uma experiência excepcional aos clientes".