Em jantar, grupo pediu duas garrafas de vinho de R$ 1.650 achando que custavam R$ 165 e a história viralizou nas redes sociais. A boa notícia é que puderam beber um dos vinhos mais icônicos de Portugal. Quarteto confunde preço de vinho, pede duas garrafas e conta de restaurante passa de 4 mil
Há males que vêm para o bem: por engano, a arquiteta Thalyta Figueiredo, seu namorado e amigos tiveram que desembolsar mais de R$ 3 mil em duas garrafas de vinho em um almoço no último domingo (7). Ela contou o episódio em entrevista ao g1.
A boa notícia é que o grupo teve a oportunidade de degustar um dos vinhos mais icônicos e disputados de Portugal, o Pêra-Manca.
O rótulo é produzido pela Adega Cartuxa, uma das casas mais importantes da região do Alentejo, e que faz parte da Fundação Eugénio de Almeida.
É uma velha conhecida dos brasileiros: cerca de 22% de todo o faturamento da Cartuxa vem da exportação dos vinhos portugueses para o nosso mercado. A empresa também é responsável por outros rótulos conhecidos por aqui, como o EA e o Cartuxa.
O Pêra-Manca, contudo, é o topo de gama. A própria Cartuxa o descreve como seus "vinhos de exceção".
"É uma situação um pouco ingrata para o consumidor que não queria despender esse valor, mas ao menos não ficaram insatisfeitos com a qualidade do vinho. Só com o valor a pagar", diz João Teixeira, diretor comercial da Adega Cartuxa.
Sede da Adega Cartuxa em Évora, na região do Alentejo, em Portugal
Divulgação/Adega Cartuxa
A história do Pêra-Manca vem da Idade Média. A lenda começa com uma aparição de Nossa Senhora em Évora, por volta de 1365. O local virou ponto de peregrinação, e foi fundado ali o Convento do Espinheiro.
Os vinhedos de um vinho chamado Pêra-Manca eram propriedade dos frades do Convento. O nome vem do terreno da região de Évora, coberto de pedras soltas — ou "pedras mancas".
Mais tarde, os vinhedos foram arrendados a Álvaro Azedo, escudeiro do rei D. João I, e tornou-se o vinho da corte portuguesa. Tamanha a popularidade que fez parte das expedições do descobrimento: Pedro Álvares Cabral o transportava quando chegou ao Brasil, e ofereceu uma prova aos índios.
"Essa história está documentada em carta de Pero Vaz de Caminha ao rei. No primeiro contato, o vinho Pêra-Manca foi uma das oferendas", diz Teixeira, da Cartuxa.
A antiga tradição do Pêra-Manca foi recuperada no século XIX, pela Casa Soares, que fez dele um vinho mais sofisticado. Com a praga da filoxera, um pulgão que devastou os vinhedos na Europa naquela época, a Casa Soares deixou de produzir o Pêra-Manca.
Só em 1987, o herdeiro da família, José António de Oliveira Soares, ofereceu o nome à Fundação Eugénio de Almeida, que passou a utilizá-lo para seu vinho de maior qualidade.
Sede da Adega Cartuxa em Évora, na região do Alentejo, em Portugal
Divulgação/Adega Cartuxa
O novo Pêra-Manca
O atual Pêra-Manca é produzido desde 1990, e pode ser feito de uvas brancas ou tintas. Thalyta e seus amigos pediram o branco, da safra 2019.
Nesse caso, ele é feito de uvas selecionadas dentre as melhores produzidas pela vinícola das castas Antão Vaz e Arinto. As uvas são colhidas exclusivamente de vinhedos mais antigos (chamados entre os entendidos de "vinhas velhas"). São plantas que têm produção mais limitada, que deixam os frutos mais ricos e dão vinhos melhores.
O processo de vinificação é o mais cuidadoso possível, em que as uvas são retiradas dos ramos e prensadas gentilmente.
Dali, as uvas partem para a fermentação — parte em aço inox, parte em carvalho francês. Passa 12 meses em contato com as borras para ganhar complexidade, e outros 12 meses de amadurecimento em garrafa.
Ao ano, são cerca de 80 mil garrafas produzidas, uma tiragem baixa para a demanda. Isso explica os preços da garrafa, que partem de R$ 800 no Brasil.
O Pêra-Manca tinto é ainda mais especial: o vinho é produzido das uvas Trincadeira e Aragonez, também de seleção rigorosíssima. Tão rigorosa que a produtora só lança novas safras do vinho quando as uvas atendem a um padrão esperado de qualidade.
Até hoje, só saíram 15 edições do Pêra-Manca tinto, a última delas da safra 2015. Mas, no fim deste ano, chega ao mercado a safra 2018.
Neste caso, a produção é ainda mais reduzida. Em geral, são cerca de 30 mil garrafas quando o vinho é lançado. Para a safra 2018, porém, serão apenas 21 mil. Os preços do tinto, assim, passam dos R$ 5 mil.
O tinto também usa as melhores uvas, de vinhas velhas. Passa pelo mesmo processo criterioso de vinificação, e fermenta em balseiros de carvalho francês que adicionam complexidade. Por fim, amadurece por mais 18 meses em barricas, também de carvalho francês de alta qualidade.
"Encorpado, complexo e elegante, com aroma a passas de frutos e essências das madeiras de estágio. (...) São vinhos que apresentam grande longevidade, necessitando de algum tempo para revelar todo o seu potencial", descreve a Fundação.