Balanço financeiro mostra um prejuízo de R$ 2,27 bilhões em 2023 e de R$ 1,4 bilhão no primeiro semestre de 2024. Se há uma boa notícia, é que margem das lojas físicas — que representa a maior parte das vendas — subiu. Lojas Americanas do Resende Shopping, no Rio de Janeiro, em 2018
Emille Rodrigues/g1
"O varejo físico começa a se concretizar como o novo coração da Americanas".
Foi assim que Leonardo Coelho Pereira, presidente da Americanas, iniciou a conferência para apresentar os resultados financeiros da companhia em 2023, ano em que foi descoberta a fraude contábil nos balanços da empresa.
O ano foi desafiador. A empresa teve um prejuízo de R$ 2,27 bilhões, ao passo em que negociava na Justiça sua recuperação judicial, com uma dívida de R$ 42,5 bilhões.
Mas o comando da Americanas começa a ver uma luz no fim do túnel, resultado da reestruturação da companhia, e que coloca as vendas físicas de volta ao centro do negócio.
Margem subiu, mas prejuízo persiste
O balanço financeiro apresentado pela Americanas na noite desta quarta-feira mostra um prejuízo de R$ 2,27 bilhões em 2023. No primeiro semestre de 2024, é de R$ 1,4 bilhão
Falando deste ano, houve uma redução de 9% do volume bruto de mercadorias (GMV) nos seis primeiros meses de 2024 contra mesmo semestre de 2023. Mas a Americanas concentra sua esperança no fato de a queda ter sido puxada apenas pelas vendas digitais.
O GMV é um indicador que representa o valor monetário total das vendas de mercadorias em cada canal de venda. Neste primeiro semestre de 2024:
O GMV dos canais digitais caiu 55,3%, para R$ 1,6 bilhão;
Já o GMV das lojas físicas saltou 15,9%, para R$ 7,2 bilhões.
Isso é resultado de um aumento de 19,7% das vendas nas lojas físicas no primeiro semestre, impulsionada sobretudo pelas vendas da Páscoa. Segundo Coelho, a projeção da companhia é que um a cada dois brasileiros comprou na Americanas na data.
Além disso, a margem bruta cresceu. Trata-se da diferença entre a receita e os custos de produção. Quanto maior o valor, melhor para a companhia.
No primeiro semestre, a receita teve queda de 2,6% nesses seis meses, chegando a R$ 6,9 bilhões. Mas a margem da Americanas cresceu 34,5%, alcançando R$ 2,4 bilhões.
Estratégias para o negócio
A necessidade de fazer das vendas físicas o "coração do negócio" tem dois motivos principais.
A Americanas tem pouco recurso para fazer frente à chegada de gigantes varejistas internacionais, que inundam o mercado brasileiro com produtos a preços baixos;
E também sofre com uma crise de confiança dos consumidores e parceiros desde o escândalo fiscal de 2023.
Com isso, a empresa desenvolveu estratégias para voltar a fortalecer as suas lojas físicas.
Algumas dezenas de unidades que não eram rentáveis foram fechadas e foi feita uma reformulação das lojas modulares por tamanho e região em que estão localizadas;
A empresa também ajustou os produtos oferecidos em suas lojas, priorizando a margem de lucro;
Além disso, adequou sua estratégia de precificação dos produtos e passou a organizar as lojas de forma a evidenciar as promoções e tornar a jornada do consumidor mais fácil.
Leonardo Coelho comenta que a empresa está estudando novos produtos de marca própria para estrearem no mercado nos próximos meses, com o objetivo de fidelizar mais clientes e elevar as receitas.
Já em relação ao digital, o executivo atribui a queda expressiva do volume de vendas a uma mudança no tipo de produtos que a empresa vende no seu e-commerce.
Agora, a Americanas não vende mais produtos "1P", que são aqueles produzidos, estocados e comercializados pela própria empresa.
Em vez disso, a prioridade dos canais digitais são os itens "3P", que é o modelo de marketplace, em que um lojista de fora vende seus produtos na plataforma fornecida pela companhia.
Isso, segundo a empresa, ajudou a reduzir custos, principalmente de estoques.
Assim, o objetivo é que os canais digitais sejam, cada vez mais, uma etapa "complementar à jornada do cliente Americanas, com produtos e preços competitivos e uma entrega eficiente" explica Coelho.
Americanas: entenda a fraude que levou à operação da PF
Resultados do 1º semestre de 2024
A Americanas reportou nesta quinta um prejuízo de R$ 1,4 bilhão no primeiro semestre de 2024. O valor representa uma variação de 55,9% em relação ao mesmo período de 2023, quando a varejista teve perdas de R$ 3,2 bilhões.
Para explicar o resultado dos primeiros seis meses deste ano, a companhia afirmou que, ao longo de 2023, manteve seu foco na operação de lojas e no atendimento aos clientes, além de implementar mudanças emergenciais.
Segundo a Americanas, esse processo "possibilitou a desaceleração da queda da receita consolidada, principalmente no varejo físico".
A receita líquida da companhia foi de R$ 6,8 bilhões no primeiro semestre de 2024, uma queda de 2,6% em relação aos R$ 7,03 bilhões registrados no mesmo período do ano anterior.
"Esse ritmo de melhora continuou ao longo dos primeiros seis meses de 2024, quando a companhia registrou receita crescente no varejo físico e expansão da margem bruta, a despeito da redução de lojas e eliminação de produtos de alto valor, como TVs telas grandes, linha branca e informática", informou em seu relatório financeiro.
No primeiro semestre do ano, o volume bruto de mercadorias (GMV) da empresa foi de R$ 10,06 bilhões, um recuo de 9% em relação aos R$ 11,05 bilhões registrados no mesmo período do ano anterior.
Resultados de 2023, ano do escândalo fiscal
A Americanas registrou um prejuízo de R$ 2,27 bilhões em 2023, de acordo com balanço financeiro divulgado pela companhia na quarta-feira (14). O valor representa uma variação de 82,8% em relação a 2022, quando a varejista teve perdas de R$ 13,2 bilhões (em valores atualizados).
Essa foi a primeira publicação com o balanço completo de 2023 após a empresa encontrar, em janeiro do ano passado, uma fraude bilionária em suas demonstrações financeiras — que levou a companhia a um processo de recuperação judicial.
"Esses eventos impactaram o resultado do período, com queda relevante na receita e contabilização de prejuízos recordes", informou a Americanas em relatório financeiro.
Conforme o documento, a receita líquida da companhia foi de R$ 14,9 bilhões em 2023, uma queda de 42,1% em relação aos R$ 25,8 bilhões registrados em 2022.
"O resultado de 2023 foi negativamente marcado pelo impacto operacional da crise e redução de receitas, incluindo os custos adicionais da investigação e recuperação judicial e parcialmente compensados por impactos tributários", continuou a varejista.
A Americanas entrou com pedido de recuperação judicial em janeiro de 2023, na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. O plano foi aceito pelos credores da companhia apenas em 19 de dezembro, com apoio de mais de 90% dos votantes. (relembre no fim desta reportagem)
Perdas nos canais digitais
Em 2023, o volume bruto de mercadorias (GMV, na sigla em inglês) da empresa foi de R$ 22,8 bilhões, uma queda de 45,9% em relação a 2022.
De acordo com a Americanas, a redução ocorreu, principalmente, por conta das perdas de 75,7% nas vendas de sua plataforma digital. A soma de operações por esses canais foi de R$ 6,02 bilhões no ano passado, enquanto, em 2022, o volume havia sido de R$ 24,7 bilhões.
"Esse desempenho negativo no digital é atribuído à estratégia da companhia de diminuir o volume de vendas do 1P (vendas próprias) e migrar categorias relevantes para o 3P (marketplace), com o objetivo de melhorar a rentabilidade da operação", informou a empresa.
'Força' das lojas físicas
A companhia informou que, por outro lado, as lojas físicas "demonstraram sua força", alcançando R$ 14,1 bilhões em 2023 e respondendo por mais de 60% do GMV total. Em comparação com 2022, o volume bruto de mercadorias das lojas físicas teve uma retração de 2,3%.
Ainda segundo a Americanas, a performance do varejo físico "melhorou sequencialmente" a partir do segundo trimestre de 2023, quando a companhia "reestabeleceu o relacionamento com boa parte dos fornecedores", estabilizou o abastecimento e iniciou mudanças na gestão de categorias de produtos.
Ebitda, endividamento e patrimônio líquido
O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) ajustado da Americanas foi negativo em R$ 2,4 bilhões em 2023, uma variação de 26,2% frente aos R$ 3,2 bilhões negativos registrados em 2022.
Esses valores excluem despesas relativas à recuperação judicial, investigação, deterioração de ativos e revisão de estimativas de contingências por conta do desconto previsto no processo de recuperação.
Já o endividamento bruto da Americanas ficou em R$ 39,4 bilhões em 2023, uma alta de 5,6% ante os R$ 37,3 bilhões registrados no ano anterior.
Por fim, o patrimônio líquido da empresa foi negativo em R$ 28,8 bilhões em 2023, uma deterioração de R$ 2,1 bilhões em relação ao fim de 2022.
Relembre o caso Americanas
G1 Explica: o rombo nas contas das Lojas Americanas
?? Em janeiro de 2023, a Americanas divulgou um fato relevante informando que havia identificado "inconsistências em lançamentos contábeis" nos balanços corporativos, em um valor que chegaria a R$ 20 bilhões.
O então presidente da Americanas, Sergio Rial, decidiu deixar o comando da companhia e o escândalo iniciou um processo de derretimento de uma das maiores varejistas do Brasil.
?? Como consequência da revelação feita durante a noite, os investidores amanheceram em polvorosa.
As principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas sob revisão e a B3, bolsa de valores de São Paulo, colocou os papéis ordinários (com direito a voto) da empresa em leilão.
?? Em poucos dias, a situação da Americanas degringolou. Ações da empresa derreteram ao longo da semana e começaram as disputas judiciais com credores em busca de pagamentos.
A empresa, no entanto, comunicou que mantinha apenas R$ 800 milhões em caixa, o que tornava a operação insustentável.
?? Sem solução para a pressão dos credores, a Americanas foi obrigada a entrar com um pedido de recuperação judicial para travar a dívida.
As "inconsistências contábeis" haviam levado as dívidas da empresa para a casa dos R$ 43 bilhões, entre aproximadamente 16,3 mil credores.
?? A primeira versão do plano de recuperação judicial da companhia foi divulgada em março de 2023. O acordo, no entanto, foi completamente aceito pelos credores apenas em dezembro do mesmo ano.
O plano apresentou um saldo de R$ 50,1 bilhões de créditos a serem reestruturados, uma dívida trabalhista de R$ 82,9 milhões e uma fraude de resultado de R$ 25,2 bilhões ao final de 2022.
?? O plano de recuperação judicial da Americanas aprovado pelos credores também prevê:
O aporte de R$ 12 bilhões em aumento de capital da empresa por parte dos acionistas de referência da Americanas — o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles, que juntos detêm 30,12% do capital social da companhia;
A venda de ativos como o Hortifruti Natural da Terra, a Uni.Co — empresa de franquias que detém marcas como Imaginarium e Puket — e a possibilidade de venda da AME, entre outros pontos.