Impacto na curva de juros está relacionado a incertezas sobre as contas públicas, avaliam economistas. Governo defende atuação e diz que resultados têm superado expectativas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
O mercado financeiro operou tenso no começo desta semana, com alta do dólar e tombo da bolsa de valores em meio a críticas sobre as contas públicas.
Ao mesmo tempo, os juros futuros, referência para os empréstimos ao setor produtivo, têm avançado. Com isso, os investimentos ficam mais caros.
Mas qual foi o gatilho para o comportamento ruim dos indicadores?
E o que é alvo de críticas por parte dos economistas?
O g1 conversou sobre o assunto com dois ex-secretários do Tesouro Nacional e com um ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI).
O estopim da confusão no mercado foi a divulgação, pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, de mais um relatório bimestral de receitas e despesas, na sexta-feira (20).
Embora tenha sido registrado um aumento nos gastos obrigatórios (previdência, por exemplo), a melhora na projeção de receitas permitiu liberar despesas dos ministérios que estavam bloqueadas.
A avaliação do mercado é que o bloqueio de R$ 2,1 bilhões, com a reversão de contingenciamento, liberando ao todo R$ 1,7 bilhão para gastos, porém, colocam em dúvida o atingimento da meta de 2024 — de zerar o rombo fiscal.
A preocupação está na dificuldade da equipe econômica de entregar a meta fiscal deste ano, que já havia sido externada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
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Segundo análise da XP, o relatório bimestral indica que a meta fiscal deste ano não será cumprida.
"Acreditamos que a meta de resultado primário está comprometida, devido ao otimismo ainda presente em relação aos efeitos das medidas de aumento de receita e à subestimação das despesas com seguridade social", diz a empresa.
Pontos sensíveis
Os problemas não se resumem ao relatório bimestral do orçamento, que foi divulgado recentemente. Mas também a:
Inconsistências no orçamento, como a estimativa de valores elevados em receitas extraordinárias, a subestimação de gastos previdenciários e, até mesmo, receios sobre o retorno de manobras contábeis têm fomentado os debates.
O ímpeto da equipe econômica em elevar impostos para tentar reequilibrar as contas, aliada à resistência em promover cortes de gastos estruturais, é outro foco de preocupação.
A autorização para realização de gastos fora da meta fiscal, por conta de exceções, também tem atraído a atenção dos analistas.
A busca pelo equilíbrio das contas públicas, e a subsequente obtenção de superávits, é considerada essencial por economistas para conter o crescimento da dívida pública brasileira — que já está em patamar elevado para o padrão de países emergentes.
Endividamento alto, por sua vez, pressiona os juros cobrados do setor produtivo.
Receitas extraordinárias
Assim como em 2024, o governo segue prevendo, para o próximo ano, o ingresso de recursos extraordinários para tentar zerar o rombo das contas públicas — mesma meta deste ano.
As estimativas da área econômica, que constam na proposta de orçamento de 2025 para fechar as contas, são do ingresso de:
Processos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf): R$ 28,6 bilhões;
Transação de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica: R$ 26,5 bilhões;
Transação Tributária: R$ 31 bilhões;
Recuperação Créditos Inscritos na dívida ativa: R$ 15,5 bilhões.
Limitação da compensação de créditos por decisões judiciais: R$ 20 bilhões.
Em 2024, o governo estimava que entrariam R$ 54,7 bilhões de arrecadação com mudanças nas regras de julgamentos no Carf, mas, no último relatório de receitas e despesas, divulgado na semana passada, o valor caiu para R$ 847 milhões.
No entanto, para os analistas, será difícil o governo arrecadar, em 2025, o valor estimado com em receitas extraordinárias.
A Instituição Fiscal Independente estimou que, dos R$ 121,5 bilhões contabilizados pelo governo com essas medidas, serão arrecadados somente R$ 60,3 bilhões em 2025.
Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset Management, ex-secretário do Tesouro Nacional, diz não acreditar que o governo conseguirá arrecadar o que estima com as receitas do Carf.
"Provavelmente, não entrará esse volume tão expressivo, mas os efeitos do Carf, por exemplo, devem ser sentidos em 2025, uma vez que os julgamentos foram bastante acelerados em 2024", disse Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-diretor da IFI.
Novos aumentos de impostos
No ano passado, o governo aprovou uma série de medidas no Legislativo de aumento de tributos, que já estão tendo impacto na arrecadação.
E, para fechar as contas em 2025, a equipe econômica também conta com novos aumentos de tributos. São eles:
Alta de 1 ponto percentual na Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributo que incide sobre o lucro das empresas: impacto de R$ 14,93 bilhões;
Incremento de 15% para 20% no Imposto de Renda incidente sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP) das empresas — uma forma de distribuição de lucro, que incide sobre o acionista: incremento de R$ 6 bilhões na arrecadação.
O aumento da CSLL chegou a ser ventilado pela equipe econômica, em agosto, para compensar a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia, e de municípios, mas foi vetado no Senado.
O incremento do Juros sobre Capital Próprio também foi proposto, e chegou a ser incorporado ao relatório final, mas também não foi aceito pelos senadores na votação final.
Analistas avaliam que as medidas podem até passar pelo Legislativo, mas não arrecadar o valor estimado pelo governo.
Para Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, é possível que uma parte destas medidas de aumento de tributo acabem passando no Congresso Nacional. "Mas parece improvável o pacote ser aprovado na íntegra", disse.
"A gente acredita que existe chance de ser aprovado, mas a gente sabe que tem toda discussão no trâmite. Em geral, é desidratado. Pode ser que caia pela metade. Então, está em dúvida ainda por conta dessa negociação", disse Bruno Funchal.
Felipe Salto informou não considerar em suas contas, por enquanto, o valor total de R$ 21 bilhões estimado pelo governo "por se tratar de algo bastante incerto".
Pente-fino em benefícios
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Ao mesmo tempo, o governo anunciou um pente fino em benefícios sociais, com o objetivo de limitar o pagamento dos benefícios a quem tem direito, diminuindo as fraudes. A estimativa é gastar R$ 19,2 bilhões a menos em 2025.
Estão sendo revistos os registros de quem tem direito ao Bolsa Família, ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), quem está no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e no auxílio-doença, entre outros.
A análise de especialistas é que há dúvida da obtenção destes recursos em sua integralidade.
"Não é uma iniciativa nova e, ao que parece, não produziu, em 2024, ganhos expressivos, por exemplo, na previdência. Entendo que essa estimativa é elevada", disse o economista Felipe Salto.
"Alcançar este número parece viável aritmeticamente (...) O que precisa ficar claro, no entanto, é que estas medidas não são exatamente um ajuste fiscal pelo lado da despesa. Apenas está se trocando espaço ocupado por despesa obrigatória por mais espaço para despesa discricionária", afirmou Jeferson Bitencourt.
"A gente acredita que os R$ 20 bilhões de redução do pente fino não vão ser atingidos", disse Bruno Funchal.
Gastos previdenciários subestimados
Com o pente fino não atingindo os resultados esperados, a crítica é que os gastos previdenciários continuarão sendo subestimados em 2025. Isso diminui a credibilidade das projeções oficiais.
Jeferson Bittencourt avaliou que eventuais despesas subestimadas no orçamento terão que ser "acomodadas" em algum momento.
As atualizações das projeções de despesas ocorrem de dois em dois meses, com base no valor pago até o momento, no ano em questão.
Para Felipe Salto, os gastos previdenciários seguem subestimados em 2025, mas "não tanto como aconteceu cem 2024".
"A gente está com uma estimativa de gastos [previdenciários] maior [do que a do governo] por conta da implementação do pente fino [nos benefícios]", afirmou Bruno Funchal.
Sem cortes de gastos estruturais
Enquanto atua para elevar a arrecadação, que bate recordes sucessivos, o governo, segundo analistas, tem falhado em implementar uma agenda de ajuste das contas pelo outro lado: o corte de gastos estruturais.
Para levar adiante essa agenda, o governo teria de propor mudanças em gastos obrigatórios, o que poderia ser feito por meio de, por exemplo:
Redução de gastos com servidores, por meio de uma reforma administrativa;
Contenção de gastos previdenciários, por meio de uma nova reforma da Previdência;
Reforma de gastos sociais, por meio da integração de políticas públicas;
Mudanças ou o fim do abono salarial;
Revisão de vinculações, como o piso da saúde e educação à receita, e dos benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo.
Entretanto, nada disso foi proposto pela área econômica até o momento.
"Quanto mais a gente seguir o arcabouço e conseguir casar receitas com despesas, de preferência reduzindo despesas obrigatórias, melhor vai ser a percepção sobre a regra fiscal, uma instituição importante ao país, que traz credibilidade, ancora expectativas e tem reflexo [de queda] nos juros", afirmou o economista Bruno Funchal.
Bruno Funchal, do Bradesco Asset Management
JN
Felipe Salto ponderou que a agenda de controle de gastos obrigatórios é importante para que os resultados das contas públicas migrem para o superávit mais rapidamente.
"Despesas, obrigatórias principalmente, em trajetória consistente de alta sendo parcialmente cobertas com receitas temporárias. Assim, a trajetória crescente de dívida pelos próximos anos traz dúvidas sobre a capacidade do arcabouço gerar sustentabilidade da política fiscal", disse Jeferson Bittencourt.
Em entrevista ao g1, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que a agenda de revisão de gastos públicos vai ser o foco da área econômica em 2025. Mas não antecipou propostas.
Governo nega manobras
Enquanto lida com a desconfiança do mercado sobre suas projeções, o governo também busca refutar o que alguns consideram o retorno de medidas sem amparo nas regras fiscais ou na contabilidade oficial.
A concessão de bolsa a estudantes do ensino médio (Programa Pé-de-Meia) por meio de um fundo social, e não via dotações orçamentárias tradicionais.
Pagamento do auxílio-gás foi desenhado, inicialmente, fora da contabilidade oficial, ou seja, sem passar pelas contas públicas. Entretanto, o ministro Haddad já informou que isso não será feito.
Proposta de incluir os recursos esquecidos nas contas dos correntistas dentro do superávit primário — algo que não tem o amparo técnico do Banco Central, o responsável pela contabilidade oficial. Os recursos não estão contabilizados no orçamento deste ano.
"Estratégias como a do vale gás fora do orçamento, programa Pé de Meia operado por fundo privado e recebendo aportes fora do limite de gastos e incorporação de receitas para a meta, contrariando o espírito da LRF, adicionam questionamentos sobre os instrumentos que serão usados para entregar os resultados no curto prazo", disse Jeferson Bittencourt.
Jeferson Bittencourt, economista do ASA
Divulgação (assessoria de imprensa)
Bruno Funchal avalia que não se trata de contabilidade criativa, mas que há sim um enfraquecimento o arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas. "Se pegar auxílio gás, põe fora do arcabouço. Depósito judicial é outra forma. Então você acaba enfraquecendo o próprio arcabouço, o que é ruim para o próprio governo pois desancora as expectativas", disse.
Felipe Salto afirmou não estar vendo contabilidade criativa. "O arranjo daquele projeto do vale gás, de fato, se prosperasse, representaria uma contabilidade criativa das bem cabeludas", disse. Para ale, inclusive, os recursos esquecidos nas contas dos poupadores deveriam ser contabilizados dentro da meta fiscal, algo que o BC não concorda.
Exceções à meta fiscal
Outra preocupação dos economistas é a questão das exceções à meta fiscal, ou seja, pagamentos feitos por fora do limite de gastos, ou da meta de superávit primário -- sem compensação.
Isso ocorre, por exemplo, com precatórios. No ano passado, foram pagos R$ 92,4 bilhões fora da meta em precatórios e, para 2025, há a previsão de outros R$ 44 bilhões.
Neste ano, há também a despesa de R$ 28,8 bilhões para ajudar o Rio Grande do Sul a superar os efeitos das fortes enchentes de abril e maio.
Com isso, mesmo na possibilidade de o governo cumprir as metas fiscais, o déficit dificilmente chegará a zero — objetivo formal existente para 2024 e 2025.
"Me preocupa, por exemplo, que os precatórios pagos acima do antigo limite constitucional, no ano que vem, não sejam compensados por outros esforços. O que precisa ficar claro é que o desafio atual é produzir superávit, para a dívida voltar a estabilizar-se em relação ao PIB. Não adianta apenas cumprir regras legais, se elas não forem suficientes para gerar esse objetivo", disse Felipe Salto.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentosl
Agência Senado
Avaliações sobre as contas públicas
Bruno Funchal: "Hoje, os juros estão mais altos, a curva está inclinada, o prêmio de risco está alto, muito por conta dessa incerteza. A medida que ações sejam tomadas de compromisso com a regra fiscal, com a contenção de despesas obrigatórias, e o compromisso do governo entregar de fato as metas que foram propostas, acaba tendo um efeito positivo nos juros".
Jeferson Bittencourt: "Olhando a PLOA 2025 e a prática de 2024, penso que não faz sentido pensar que a peça oferece uma proposta de déficit zero. Há R$ 44 bilhões de precatórios a serem pagos fora da meta. Além disso, ao longo deste ano, o governo mostrou disposição de sustentar na programação receitas incertas".
Felipe Salto: "Entendo que o ministro Fernando Haddad está acertando, em geral, e que há um compromisso claro com a responsabilidade fiscal. A questão é que, a meu ver, seria importante uma convergência mais rápida para um resultado primário positivo e, para isso, não há como escapar da agenda do controle do gasto. Neste aspecto, pouco foi feito. Já na agenda da arrecadação, acertaram bastante".
O que diz o governo
Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda
Diogo Zacarias/MF
Em meio à tensão nos mercados, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, voltou a defender a atuação da equipe econômica na condução das contas públicas
Ele também criticou o que classificou como uma "irracionalidade" por parte dos agentes.
Segundo ele, a economia está se recuperando e segue crescendo mais do que o esperado. "É um ciclo positivo e a gente deveria torcer para que isso continue assim. Vamos entregar o melhor resultado fiscal dos últimos três ciclos de governo", prosseguiu.
O secretário também negou a avaliação, de alguns economistas do mercado financeiro, de que estaria havendo criatividade nas estimativas para este ano e para 2025 nas contas públicas.
Ele disse, ainda, que a equipe econômica gostaria de levar adiante o ajuste das contas públicas "o mais rápido possível", e afirmou que o déficit fiscal será menor neste ano, em relação a 2023, assim como as previsões de mercado estão melhorando e caminham para o cumprimento das metas das contas.
"É preciso reconhecer esse esforço. Não é razoável que isso não seja reconhecido. A gente saiu da descrença quase completa no início do ano, de um déficit de 0,8% [do PIB], para hoje o que muitos consideram muito razoável o cumprimento da meta", declarou Durigan.
Acrescentou que os investidores também estão melhorando a percepção sobre a economia brasileira, com a queda do risco Brasil nos últimos anos.