Comitê anunciou a segunda alta seguida da taxa básica de juros, a Selic. Aceleração do aumento, de 0,50 ponto percentual, é o maior desde maio de 2022. Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Reuters/Brendan McDermid
O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu nesta quarta-feira (6) subir a taxa básica de juros do país, a Selic, de 10,75% para 11,25% ao ano. O aumento de 0,50 ponto percentual significa uma aceleração da sequência de altas, iniciada na reunião de setembro.
O Banco Central entende que é necessário adotar uma dose maior de juros para trazer a inflação brasileira para a meta de 3%. O número estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) pode oscilar em 1,5 p.p. para cima ou para baixo, de 1,5% a 4,5% no ano.
Hoje, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, mostra que os preços subiram 4,42% na janela de 12 meses, próximo ao teto de tolerância da meta. E as projeções do BC estão acima dos 3% tanto para 2025 como para 2026.
A persistência da expectativa de inflação em patamar acima do centro da meta é chamada pelo mercado financeira de "desancoragem". O BC condiciona os movimentos de taxa de juros a depender do quanto será necessário para que os preços voltem ao lugar — o centro da meta.
Por isso, no comunicado divulgado nesta quarta, o Copom volta a citar a questão da desancoragem como preocupação e motivo da alta dos juros, mas não se compromete com a magnitude de novos aumentos no futuro.
A saída foi reforçar que o balanço que faz dos riscos de alta ou de baixa está desequilibrado, com mais chances de alta.
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A atividade econômica ainda potente no Brasil, o mercado de trabalho mais aquecido, e a falta de resolução da questão das contas públicas — que afeta tanto os juros do país como a inflação — foram questões ressaltadas pelo Copom no texto.
E, como notaram os economistas ouvidos pelo g1, surgiu um tempero extra à incerteza na economia global, em especial nos Estados Unidos, após a vitória de Donald Trump nas eleições. Com promessas mais inflacionárias do novo presidente, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode ter mais dificuldade de baixar os juros por lá. (entenda abaixo)
"O ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica incerta nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed", diz o comitê.
O Copom cita os seguintes aspectos como importantes para seu balanço de risco.
Riscos de alta:
(i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado;
(ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado [quando a atividade do país está muito próxima do que ela pode produzir, ainda sem gerar inflação pela demanda]; e
(iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada.
Riscos de baixa:
(i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e
(ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.
Sobre as contas públicas — parte que o BC não tem ingerência, mas não deixou de citar — o comitê diz que tem acompanhado "com atenção" como a dificuldade de o governo federal garantir que vai cumprir a meta de déficit zero impactam a política monetária e os ativos financeiros. (saiba mais também abaixo)
"A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal tem afetado, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco e a taxa de câmbio", diz o comunicado.
"O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida, com a apresentação e execução de medidas estruturais para o orçamento fiscal, contribuirá para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária."
O Copom completa que o cenário segue marcado por "resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, o que demanda uma política monetária mais contracionista".
"Era importante o BC manter essa dependência dos dados por causa da grande incerteza do cenário com toda a questão relacionada à eleição dos Estados Unidos e a incerteza em torno do pacote fiscal", avalia Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.
"Nós temos visto os ativos brasileiros bem estressados, com bastante prêmio de risco [maior rentabilidade por conta do aumento de risco], e uma eventual percepção de leniência com a inflação por parte do BC poderia piorar ainda mais essa situação."
Para Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, o comunicado do Copom e seu tom duro veio para consolidar a necessidade de um anúncio de corte de gastos pelo governo federal o quanto antes.
"A autoridade monetária foi bastante clara ao passar o recado: sem um programa de corte de gastos crível e de caráter estrutural, a política monetária deverá se manter dura", diz a economista.
"Sem um bom pacote fiscal, não haverá ancoragem das expectativas e convergência da dívida, o que, em outras palavras, implica em uma política monetária ainda mais apertada."
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Segundo economistas consultados pelo g1, uma série de fatores tem influenciado a percepção do mercado de que o Copom precisará adotar uma postura mais dura na condução dos juros, subindo as taxas. Entre eles estão:
A maior incerteza sobre as contas públicas do país;
A atividade econômica aquecida e a consequente pressão inflacionária; e
O cenário internacional, também mais incerto.
Incerteza sobre as contas públicas do país
De acordo com os especialistas, a dúvida sobre a capacidade do governo em cumprir com suas metas fiscais é um dos principais fatores avaliados pelo mercado nos últimos meses.
"O fiscal é uma estatística macroeconômica importante e que entra de forma indireta nas expectativas de inflação", explica o economista do ASA Leonardo Costa.
Recentemente, o destaque das discussões econômicas tem sido a promessa feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a equipe econômica apresentaria novas medidas de cortes de gastos após as eleições municipais de 2024.
O ministro ainda não detalhou as medidas nem indicou quando elas devem ser anunciadas. O governo federal tem a meta de zerar o déficit público neste ano, e mercado espera que o pacote que determine cortes entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões para cumprir a promessa, segundo informou o blog do Valdo Cruz.
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Segundo o economista-sênior do Banco Inter André Valério, a expectativa em torno desse valor leva em consideração o quanto seria necessário para que o governo conseguisse cumprir com o que prometeu, sem derrubar o arcabouço fiscal, para este e para o próximo ano.
"Se o governo vier com um corte menor do que esse ou com medidas menos transparentes, pode ser que eleve a percepção do mercado de que o arcabouço não será levado tão a sério", diz o economista.
O tema também tem sido abordado de maneira frequente pelo próprio BC, como um fator de influência nas decisões de política monetária.
Nas últimas semanas, por exemplo, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, voltou a afirmar que se o Brasil quiser ter juros estruturalmente mais baixos, precisará apresentar medidas que sejam interpretadas como um choque fiscal positivo.
"Tem que ser algo que produza uma mudança nas expectativas que seja grande o suficiente para reverter o prêmio de risco, a expectativa de inflação e a curva longa de juros, e isso alimentaria a função de reação [do BC] de maneira positiva", disse ele, no final de outubro.
Para o estrategista de macroeconomia do BTG Pactual Portfolio Solutions Álvaro Frasson, mais do que um valor específico de cortes de gastos, o mercado espera um "plano de voo" por parte do governo, que indique um roteiro concreto e factível para estabilizar a dívida pública.
"Não estou falando que o mercado quer a estabilidade da dívida em relação ao PIB para hoje, mas o mercado quer um plano de voo. Claro que um dos fatores para chegar a esse cenário é um custo de refinanciamento mais baixo, mas esse custo não se baixa com Selic, e sim com credibilidade do lado fiscal", afirma.
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Economia aquecida e a pressão inflacionária
O forte desempenho econômico do país ao longo nos últimos meses é outro fator observado pelo BC.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 1,4% no segundo trimestre deste ano, no 12º resultado positivo do indicador.
Somado a isso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua indicou na semana passada que a taxa de desemprego do país estava em 6,4% em setembro, na segunda menor taxa de desocupação da série histórica.
"Há uma percepção de que a economia está mais forte do que o esperado ou de que a desaceleração está acontecendo bem aquém das expectativas. Tudo isso faz com que a projeção [de inflação] do BC não alcance o centro da meta. Por isso, começamos um novo ajuste [de alta de juros]", afirma a economista-chefe da SulAmerica Investimentos, Natalie Victal.
Esse, no entanto, não é o único fator de pressão inflacionária no país. Pontos como a forte alta do dólar – que já acumula ganhos de mais de 20% no ano – e a pressão mencionada acima, das contas públicas, também aumentam as expectativas de inflação e fazem com que o mercado projete novas altas de juros à frente.
"Mas não é só a política monetária que define qual o patamar da inflação, é a política econômica como um todo. E são vários fatores. Temos a política monetária do BC, a política fiscal do governo e a política setorial, por exemplo, que afetam esse cenário", explica Victal.
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Cenário internacional mais difícil
O que analistas têm batido na tecla é de que o cenário internacional, da economia global, não é favorável para os próximos meses. Com potências economias desacelerando, inflação persistente no mundo todo e mercados de trabalho com taxas bastante baixas, a expectativa é de que os juros globais permaneçam mais altos.
"É um cenário geral difícil, que já estava dado. A resposta que se esperava era o resultado das eleições americanas, para entender a intensidade da dinâmica de fortalecimento do dólar, que atrapalha as economias emergentes. Com Kamala atrapalharia menos, com Trump atrapalha mais", diz o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani.
A vitória de Trump prevê maior protecionismo para a indústria americana, com elevação de tarifas para produtos importados e possível encarecimento para a população, e renúncias de receitas para baixar impostos.
Com produtos importados mais caros e menos recursos entrando no caixa do governo, há um aumento das preocupações com a capacidade de o país cumprir com o pagamento da dívida norte-americana. Essas dúvidas também tendem a aumentar a exigência de investidores por um prêmio maior, ou seja, juros mais altos.
Juros maiores (e por mais tempo) nos Estados Unidos aumentam a rentabilidade dos títulos do Tesouro norte-americano (as Treasuries), considerados os ativos financeiros mais seguros do mundo. Assim, quem busca segurança e boa remuneração em momentos turbulentos prioriza o investimento por lá e se afasta dos emergentes, como o Brasil.
Com o fluxo de dólares direcionado para os Estados Unidos, a taxa de câmbio tende a piorar por aqui, piorando também a inflação local. "A agenda do ex-presidente Trump é vista como expansionista, o que pode trazer juros mais altos no país e uma valorização do dólar ante o real", diz Natalie Victal.
Como os dados ainda são fortes, espera-se que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) deva diminuir o ritmo de cortes de juros. Hoje, as taxas estão entre 4,75% e 5% ao ano, depois de um corte de 0,50 ponto percentual.
As projeções para as próximas reuniões, nesta semana e em dezembro, são de reduções de 0,25 p.p. Com arrecadação menor e inflação pressionada, o Fed terá dificuldade de baixar juros.
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