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Mogi das Cruzes

Marmitas com fezes de rato, estrutura precária e balas de borracha: relatórios evidenciam péssimas condições nos CDPs de Mogi e Suzano


Documentos foram elaborados após inspeções da Defensoria Pública. De acordo com o órgão, pedidos de providência chegaram a ser protocolados, mas acabaram sendo arquivados. CDP de Mogi das Cruzes; vistoria da Defensoria Pública flagrou situações precárias nas celas

Defensoria Pública/Divulgação

Quem vive nos Centros de Detenção Provisória (CDP) de Mogi das Cruzes e Suzano, à espera do julgamento de um crime, precisa lidar com um cenário crítico e de desrespeito à dignidade humana. Relatórios da Defensoria Pública de São Paulo apontam que os detentos dessas unidades comem marmitas contaminadas por fezes de rato, lidam com estruturas precárias e sofrem castigos, que vão do racionamento de água aos tiros de balas de borracha.

As situações foram flagradas por defensores, que integram o Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC), e relatadas por presos durante inspeções realizadas em 2021. De acordo com o órgão, mais de 40 denúncias de problemas como esses foram recebidas desde 2018 e pedidos de providência chegaram a ser protocolados. No entanto, eles foram arquivados e nenhuma medida foi adotada (confira abaixo os detalhes por unidade).

O g1 pediu e aguarda uma posição da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) sobre o arquivamento dos processos.

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Nesta quarta-feira (9) o g1 publicou que a Justiça proibiu o uso da carceragem da delegacia de Itaquaquecetuba como Cadeia Pública Feminina Provisória. A decisão atende, justamente, a um pedido de providências feito pela Defensoria Pública após uma vistoria que identificou diversas irregularidades. Além disso, desde março de 2020 a cadeia feminina de Poá, que tinha problemas semelhantes, está fechada para reforma.

Para a defensora e coordenadora do NESC, Camila Galvão Tourinho, o cenário traz prejuízos não apenas para a população carcerária, como também para toda a sociedade. Sem condições de ressocialização, vivendo em um ambiente desagradável e na falta de uma oportunidade para recomeçar, as pessoas presas podem deixar os presídios com problemas ainda maiores de saúde mental e física. Uma barreira no que diz respeito aos direitos humanos.

“Se a gente não tem condições mínimas de dignidade pra essas pessoas que estão presas, é impossível mudar a realidade. É impossível que a gente promova alguma transformação social. O endurecimento da punição, das penas, só agrava a situação. [Com o aumento da população carcerária, sem pensar nas condições dos presídios] a gente vai ter lotações ainda maiores, o que vai gerar condições ainda piores para essas pessoas”.

O que dizem os relatórios

Marmita servida aos presos do CDP de Suzano

Defensoria Pública/Divulgação

Entre os pontos mais críticos encontrados pela defensoria na inspeção está o tratamento recebido dos agentes penitenciários. Aos defensores, os homens em situação de cárcere relataram sofrer punições coletivas como resposta ao mau comportamento de parte dos presos.

“Quando os defensores foram ao CDP de Mogi das Cruzes, foi constatado lá a existência de balas de borracha espalhadas pelo raio. Os presos relataram intervenções do GIR [Grupo de Intervenções Rápidas]. Em tese, deveria servir apenas situações emergenciais, pontuais. Muitas vezes é usado pra intervenções sistemáticas, de forma bastante violenta, com uso de bala de borracha, spray de pimenta, cachorros também”.

Outro problema grave está na falta de estrutura. De acordo com o relatório, não há camas suficientes e os colchões estão degradados. Na unidade de Suzano, os presos deitavam juntos para dividir retalhos de espumas, que estavam finas e mal conservadas. As celas tinham pouca luminosidade e baixa ventilação, o que deixava a situação insalubre.

Presos do CDP de Suzano usam os mesmos recipientes para armazenar comida e cuidar da higiene pessoal

Defensoria Pública/Divulgação

As inspeções também identificaram dificuldades de acesso a suprimentos básicos de higiene. Os sanitários e pias estavam quebrados, com esgoto à mostra. Por muitas vezes, os presos precisavam fazer as necessidades fisiológicas no ralo do banheiro ou em baldes, onde também ocorre o armazenamento de comida. A população carcerária relatou que os produtos pessoais eram insuficientes, o que se tornou ainda mais grave em meio à Covid-19.

Infestações de insetos e pragas, como aranhas, piolhos, percevejos e ratos também são comuns, segundo o relatório. Os detentos reclamaram da dificuldade para manter as celas limpas, pois não recebem materiais de limpeza. Além disso, não havia água quente na maioria dos espaços, o que é um direito previsto por decisão judicial.

No CDP de Mogi, os presos também avaliaram a comida como péssima e, inclusive, relataram que havia fezes de rato nas marmitas. Já em Suzano, as reclamações davam conta de que a comida chegava azeda e que enfrentavam longos de período de jejum, chegando a 13 horas entre a última e a primeira refeição do dia seguinte.

Celas sem colchões no CDP de Suzano; situação foi registrada durante vistoria

Defensoria Pública/Divulgação

O relatório destaca que as roupas de cama e vestimentas são insuficientes. Em alguns casos, sequer era possível lavar as roupas, pois muitos tinham apenas um conjunto de uniforme. Muitos presos viviam descalços porque não receberam chinelos quando chegaram às unidades.

Já sobre o atendimento à saúde, um agente teria informado que os presos que precisam de atendimento médico exterior deixam de ser encaminhados para hospitais por falta de escolta. Também não havia remédios básicos, que precisam ser comprados e enviados pelos familiares. Não havia qualquer forma de praticar atividade física, lazer ou estudo.

“Nos dois estabelecimentos penais não existe nenhuma opção de estudo. Não está sendo fornecida para os presos a oportunidade de estudo, nem mesmo de remissão pela leitura, que é o abatimento da pena pela leitura de livros e elaboração de relatórios. É algo bastante simples e que não exige nenhum tipo de estrutura a ser montada”, completou a defensora.

Denúncias arquivadas

Preso denuncia situação precária das roupas de cama no CDP de Suzano

Defensoria Pública/Divulgação

As denúncias, que normalmente chegam ao Núcleo Especializado pelo disque-100, por e-mail ou por familiares de presos, são direcionadas para os defensores responsáveis. Eles cumprem uma agenda de inspeções, que ocorrem sem aviso-prévio e têm o objetivo de flagrar situações de irregularidade.

Segundo Camila, os defensores públicos tentam entrar em todas as áreas de aprisionamento, incluindo o convívio, setores de castigo e seguro, enfermaria, entre outros. “Também conversamos com as pessoas presas, com privacidade, para que eles possam se sentir a vontade na hora de denunciar”.

As vistorias geram relatórios, que são protocolados junto à corregedoria dos presídios ou levados para uma ação civil pública, que busca uma providência judicial. A expectativa é de que os problemas sejam sanados, mas a defensora explica que nem sempre isso acontece.

“O próprio judiciário se exime da responsabilidade de decidir sobre determinadas coisas, determinadas violações. Muitas vezes, esses procedimentos são arquivados pelo poder judiciário. A gente faz recursos contra essas decisões de arquivamento, que são julgadas pela corregedoria do TJ, e muitas vezes essas decisões de arquivamento são mantidas”.

“Na nossa visão, o judiciário poderia se envolver mais. Poderia tomar decisões, determinar providências, de forma mais incisiva à Secretaria de Administração Penitenciária para que sejam cumpridos os parâmetros mínimos para a dignidade dessas pessoas”, diz. “Uma critica, nesse sentido, é de viabilizarem e determinarem que essas mudanças sejam feitas porque isso também beneficia toda a sociedade”.

Os relatórios das inspeções aos estabelecimentos prisionais podem ser consultados no site da Defensoria Pública. Camila destaca que é importante que a população se atente ao assunto, pois garantir que a população carcerária tenha acesso a recursos básicos e oportunidades de ressocialização também é uma política pública de combate à criminalidade.

“Quando se conhece a realidade do sistema prisional, não pode ser extraída outra conclusão, senão a de que esse sistema não favorece em nada aquilo que a sociedade quer, que é que essas pessoas consigam sair dali em condições melhores, se reinserir no mercado de trabalho, ter uma oportunidade de estudo e mudar a vida delas, da família delas”.

“Esses relatórios estão disponíveis no site da defensoria porque é uma forma de as pessoas conhecerem melhor o cárcere. Hoje a gente vê muitos políticos falando de encarceramento, falando que precisamos ser mais duros, quando na verdade não se tem o conhecimento mínimo do que são os estabelecimentos prisionais”.

População carcerária

Os CDPs de Mogi das Cruzes e Suzano registraram uma redução na população carcerária em cinco anos. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que até o segundo semestre de 2021 as unidades contavam com 1,2 presos por vaga. Em 2016 o índice chegava a 3,2.

Embora o cenário de superlotação tenha sido amenizado, o número ainda ultrapassa a capacidade dos centros. Suzano, que conta com 835 vagas, tinha 1.111 presos até dezembro do ano passado. Já em Mogi das Cruzes eram 838 vagas para 986 detentos.

A coordenadora destacou que a redução de presos ocorre em âmbito nacional e que ainda não é possível compreender o motivo. Porém, descarta que índice seja um resultado da eficiência de políticas de segurança pública.

Os números incluem pessoas do sexo masculino, presas provisoriamente enquanto esperam pelo julgamento de seus casos. Dos 2.097 detentos nos dois CDPs até dezembro de 2021, 31,8% tinham de 18 a 24 anos. A faixa dos 25 a 29 representava 23,7%, seguida pelo grupo de 30 a 34, com 21,6%.

Cerca de 1.365 se classificaram como pardos, enquanto mais de 500 eram brancos e 231 foram definidos como pretos. Ainda de acordo com o levantamento, 12 homens têm algum tipo de deficiência e ao longo o semestre foram registradas 1.434 entradas e 2.154 saídas.

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