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Golpe civil-militar completa 59 anos e mogianos ainda guardam lembranças da época mais truculenta do Brasil

Por Nova TV Alto Tiete em 31/03/2023 às 15:08:26

Mário Sérgio de Moraes, Ana Maria Sandin e Marco Antonio Rodrigues Nahum, assim como outros brasileiros, também tiveram as vidas afetadas pelo golpe. Há 59 anos, o 31 de março se tornaria o início de um pesadelo para o Brasil. O governo sofreu um golpe civil-militar, que durante 21 anos manchou a história do país com autoritarismo, repressão e sangue. Alguns mogianos guardam na memória acontecimento desta época tão difícil que a sociedade brasileira viveu.

O doutor em história social Mário Sérgio de Moraes tinha 13 anos quando o golpe aconteceu. Ele conta que em um primeiro momento não entendeu os efeitos que isso teria na vida dele e de toda a sociedade brasileira. Mas aos poucos alguns acontecimentos mostraram ao então adolescente que a vida não seria mais a mesma. Com o golpe, as escolas ficaram sem aula e no início de abril elas foram retomadas. “Quando eu voltei tinha um livro de literatura para ser lido que ai cair na prova que era os Capitães de Areia de Jorge Amado. E eu fui procurar o livro na biblioteca chegando lá a dona Terezinha disse "esse livro está proibido". E eu achei aquilo estranho porque proibir livro...Ela disse que era porque era do comunista Jorge Amado e tem muito palavrão.”

Professor Mário Sérgio escreveu livro sobre a ditadura

Reprodução/TV Diário

Mário Sérgio lembra da repressão que foi instalada dentro da escola. “Quando eu voltei para a sala o diretor da escola estava conversando com os alunos e de maneira extremamente repressiva. "Agora nós vamos acabar com os grupos de teatro porque é um bando de vagabundo. Agora nós vamos acabar com os grupos de música porque essas pessoas vivem com o violão nas costas.”

O então adolescente achou que algo estranho estava acontecendo. E passou a ler para tentar entender o novo Brasil. “Eu tenho impressão que na negativa, na proibição, naquilo que você não pode fazer é uma das maneiras que as pessoas começam a abrir os olhares para aquilo que é o autoritarismo.”

O doutor em história social recorda da época em que fazia a graduação em história na Universidade de São Paulo (USP). Na época o presidente era o general Emílio Garrastazu Médici de 1970 a 1974.

“Era um inferno. Porque a repressão, a tortura, o assassinato, a perseguição e o exílio de companheiros era muito grande.”

Tudo que o professor viveu durante a ditadura serviu de material para ele escrever o livro 50 anos construindo a democracia, do golpe de 64 à Comissão Nacional da Verdade à convite do Instituto Vladimir Herzog. “Eu considero esse livro um momento de honradez. Porque ele me escolheu como historiador para contar um livro, voltado para aquelas pessoas que querem entender o País. Porque ainda hoje quando eu chego dentro da faculdade, eu conto aquilo como o jovem argentino, como o jovem chileno, como o jovem uruguaio sabe, aqui as pessoas quando eu conto esses fatos as pessoas não têm nem ideia. Aqui existe uma indústria do esquecimento.”

A arquiteta Ana Maria Abreu Sandim lembra que quando tinha 7 anos, ela e a avó passaram momentos de terror em São Paulo em 1964. “Nós fomos a São Paulo fazer compras. De repente começa um alvoroço e nós tivemos que entrar nas lojas correndo sem saber o porque. Minha avó empurrava e os lojistas fechando. Daqui a pouco pancadas, gritaria na rua. Passou-se mais de duas horas e quando se levantou as portas tava tudo pichado, pintado de vermelho. E minha avó foi tentar ir para a Sé para descer para a Rosevelt e estava com tanques na Praça da Sé. Você não sabia se tinha sido morto pessoas, se tinha sido presos. As pessoas eram levadas e depois ia para o Dops.”

A tensão da ditadura não era apenas na capital. Em Mogi das Cruzes o clima era de medo do que poderia acontecer na cidade. E quem usava os trens viu de perto as marcas de um tempo tão violento. Os vagões que vinham de São Paulo chegavam na cidade com marcas de tiros. “Aqui na cidade as pessoas também tinham medo. Quando se fala em subversão você tem que lembrar que você podia ser denunciado. Não se podia deixar em um armário de escola qualquer carta, qualquer material que de uma hora para outra você poderia ser revistado. Eles poderiam entrar nas escolas e revistar os armários dos professores. Então, esse clima foi o que nós vivemos.”

O desembargador aposentado Marco Antonio Rodrigues Nahum fazia parte da parcela de mogianos que entendi muito bem todo esse contexto. Na época ele já advogava e defendeu muitos amigos presos políticos. “Era uma advocacia completamente diferente. Porque o processo mesmo quando legalizava toda a prisão, tinha um período aí meio nebuloso, mas quando legalizava ia na justiça militar. A gente fazia tudo na justiça militar e os recursos iam para Brasília para o Tribunal Superior Militar. O primeiro recurso do advogado era tentar formalizar a prisão da pessoa para que ela não morresse sob tortura. Porque muitos morreram torturados. Os jornais estavam censurados, as notícias não podiam sair nos jornais. A gente não podia denunciar quem foi preso.”

Ele destaca que os advogados faziam mágica para denunciar porque isso provocava que as Forças Armadas agissem com cautela porque a pessoa está sob responsabilidade deles. Em alguns momentos, Nahum relata que se sentiu ameaçado. “Quando você tinha uma atividade que eles não gostassem por qualquer motivo, eu não cheguei a ser detido, mas vários amigos que foram detidos e passaram o dia inteiro dentro do Doi Codi. Aquilo assustava demais.”

Os anos foram passando e o regime militar foi perdendo força. Em 1985, a ditadura chegou ao fim. Depois veio a Assembleia Nacional Constituinte que resultou do documento que o aposentado considera o mais importante do Brasil: a Constituição. “O grande troféu é a Constituição. Esse artigo 5º da Constituição é até hoje um escudo contra o totalitarismo. Nós temos coisas muito importantes na nossa Constituição. Isso tudo foi discutido na Constituinte. O que é bom para isso, o que é bom pra aquilo, direitos humanos, a igualdade entre as pessoas que agora você tem uma igualdade ainda maior, a igualdade de gênero, igualdade de raça. Isso tudo está na nossa Constituição. E foi uma conquista maravilhosa. Quando a Constituição de 1988 foi promulgada eu acho que foi um dos dias mais lindos da história do Brasil. E aí nós conseguimos vencer esse golpe de 64.”

O desembargador aposentado Marco Antonio Rodrigues Nahum espera que esse capítulo nunca se repita na história do Brasil.

“As pessoas não têm a menor ideia, o brasileiro não tem muita memória para achar que um regime militar pode resolver o nosso problema. Muito pelo contrário. O que eu passei não desejo nem para inimigo e eu não fui preso. Mas eu vi amigos… vi eles tratarem seres humanos como animais. Fora os que eles mataram.”

Retrocesso Político

Para o sociólogo Guilherme Amaral lembra que a sociedade brasileira vivia um momento muito bom em 1964 quando houve o golpe civil-militar. “Civil militar porque vários setores da sociedade civil auxiliou para que o golpe se desse e foi um momento imenso de retrocesso político, social e ainda que um milagre econômico para uma pequena classe média. Mas um momento de grande tragédia social para grande parte da população.”

Ele diz que o avanço lento e gradual da sociedade que ainda se acostumava com a democracia acabou com a retirada de liderança em vários setores que foram exiladas, perseguidas ou mortas. “Um momento que gente poderia estar continuando que foi vivido, especialmente, na época de Juscelino Kubtichek, mas que ainda tinha na época do Jango sob uma falsa ameaça, de um falso comunismo que mal sabiam o que era e até hoje não sabem o que é, limitamos nosso avanço social, limitamos nossa capacidade de participar e de como sociedade civil fazer parte do nosso futuro, construir o nosso futuro.” Amaral destaca que é impossível construir um futuro sem conhecer o passado.

“Entender que não existe ditadura boa, não existe autoritarismo que possa ser bom. A gente só vai se desenvolver socialmente, economicamente se houver democracia, se houver debate e se a gente puder ler todos os livros que estiverem disponíveis. E puder compreender que alguns podem nos dar modelos que não queremos seguir, mas para isso precisamos saber que eles existem. Precisa ter acesso ao conhecimento e escolher o caminho que queremos seguir. Traçar o nosso futuro.”

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Fonte: G1

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