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Mães de transexuais relatam desafios e exaltam importância do acolhimento desde a infância: 'Apoiar é o mínimo'

Por Nova TV Alto Tiete em 29/01/2023 às 06:59:27

Filhos de Carol e Kely iniciaram a transição de gênero aos 9 anos. Hoje elas fazem parte de um grupo de acolhimento para famílias de pessoas LGBTQIAP+ e dão palestras em escolas para combater preconceitos. Carol e Lucca; Kely e Noah: mães do Alto Tietê dão exemplo no apoio aos filhos transexuais

Arquivo Pessoal

“Mãe, eu quero ser tratado como menino”. A frase, dita por Lucca aos 9 anos para revelar a transexualidade, parecia marcar o início de uma série de medos e incertezas para o futuro. “Meu mundo caiu”, relembra a fonoaudióloga Carolina Moraes Santos, de Mogi das Cruzes.

Kely Cavallari, de Itaquaquecetuba, também viveu um momento parecido quando ouviu do filho Noah, também aos 9, que não se identificava com o gênero atribuído no nascimento. Embora tenham sexo biológico feminino, ambas as crianças se identificam com o masculino.

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Um cenário que em muitas famílias viraria motivo de briga ou sequer seria levado a sério, elas decidiram abraçar. Carol e Kely apoiaram os filhos na transição de gênero de tal maneira, que hoje lutam para que o mundo se torne tão acolhedor quanto a própria casa.

Elas fazem parte do grupo Mães da Resistência, que reúne familiares de pessoas LGBTQIAP+ com o objetivo de trocar experiências, orientar e combater a discriminação. Atualmente até participam de palestras e visitam escolas para conscientizar estudantes.

No Dia da Visibilidade Trans, celebrado neste domingo (29), o g1 destaca as mães que resolveram vestir a bandeira rosa, azul e branca para defender os filhos e mostrar como o apoio familiar é fundamental para essa comunidade em todas as fases da vida.

Apoiar é o mínimo

Carolina mora em Mogi das Cruzes e é mãe de Lucca, um menino trans de 11 anos

Carolina Moraes Santos/Arquivo Pessoal

As roupas cor-de-rosa e brinquedos que normalmente seriam associados às meninas nunca interessaram Lucca, hoje com 11 anos. Carol não se importava, pois sempre entendeu que essas coisas não têm gênero. Porém, admite a surpresa de ouvir o filho, ainda criança, dizer que era trans.

“A gente acha que o transexual só nasce com 18 anos”, comenta. Como forma de acolher o menino, decidiu estudar o assunto e conheceu grupos de mães que viviam as mesmas dúvidas. Hoje, reflete que precisou enfrentar as próprias aflições antes de ir à batalha.

“A gente passa por um luto. No grupo, falamos muito sobre o luto do filho vivo. A menina que eu idealizei não existe. Só que cabe a gente de interromper o luto e seguir a diante. Eu tenho um filho lindo, saudável e inteligente. Eu chorei muito, mas segui”.

Neste processo, a fonoaudióloga viu Lucca ser alvo de transfobia na escola e entendeu que se a descoberta era difícil para ela, para o filho poderia ser ainda pior. Decidiu oferecer um ambiente seguro e de apoio, algo que não é comum a todos da comunidade LGBT+.

“Meu filho, se sofrer bullying em algum lugar, sabe que tem a mim. Tem muitas crianças, adolescentes, que não tem o que fazer. Alguns vão pra rua, caem nas drogas e prostituição. Tudo por falta do suporte que deveria vir de casa”.

“Eu só tenho a ele, ele só tem a mim. Depois da transição, nosso laço se fortaleceu demais. Eu queria que todos tivessem isso. Eu sempre ouço elogios, mas não entendo como outras famílias podem agir diferente. Apoiar é o mínimo. Eu sou mãe, coloquei no mundo e preciso dar esse suporte”.

Lista de nomes e compra de cuecas

Kely mora em Itaquaquecetuba e é mãe de Noah, que tem 13 anos e é transexual

Kely Cavallari/Arquivo pessoal

Já Noah estava andando de bicicleta quando decidiu dizer para a mãe que não gostava de meninos. “Eu respondi: tá bom, ué”, lembra Kely. Até então, acreditava que o filho poderia ser uma menina lésbica. Pouco depois, entendeu que, na verdade, era um garoto trans. Acolhido desde o começo, logo tomou posse de sua verdadeira identidade. A mãe participou de tudo.

“A gente fez até lista de votação dos nomes para o Noah. Eu brinquei que agora teria a oportunidade de escolher um novo nome, só que de menino, e queria que fosse Otávio. Só que ele preferiu Noah e eu acho que é perfeito”, brinca.

Porém, não foram todos que se adaptaram à mudança. A mãe conta que parte dos familiares continuou o chamando pelo nome registrado no nascimento – também conhecido como nome morto na comunidade trans. A alternativa foi mudar de cidade em busca de um novo começo, dessa vez, com mais respeito.

“Eu não sofri como vejo muitas mães sofrerem. Eu tive muita dificuldade com a minha família, isso sim. Eu não tenho religião, mas fui criada numa família religiosa muito resistente. Minha dificuldade não foi dentro de casa. Isso até nos fez mudar de cidade”.

De Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, partiram para o Alto Tietê. Alguns parentes ainda se referem a Noah como menina, mas na família do marido, Kely e o filho de 13 anos se sentem em um lar. “Minha sogra, meus cunhados, super acolheram. Minha sogra até brincou que ia ter que comprar muita cueca e roupa do Batman para ele”, ri a mãe.

'Ninguém solta a mãe de ninguém'

Uma pessoa segura bandeira do movimento trans

Brendan McDermid/Reuters/Arquivo

O apoio das mães é base forte em meio às dores do mundo. Assim como Lucca, Noah também vivenciou episódios de transfobia. Um deles, ocorrido em um órgão público, até virou processo na Justiça. “Ele foi tomar vacina da Covid-19 e a atendente chamava pelo nome morto. Eu falei que o nome dele estava no RG. A mulher insistiu em chamar no feminino”.

“Eu saí de lá chorando e fui direto pro escritório de advogado. Quando você vê adulto destratando criança é muito complicado. Adulto pra adulto se defende. Quando é com criança, com o filho da gente, é muito difícil. Hoje eu estou mais preparada. Se falou, tomou”.

Foi no Mães da Resistência que encontraram as ferramentas necessárias para encarar os preconceitos de quem acha justo fechar os olhos para as diferenças. “Lá ele conheceu várias crianças como ele, além de adolescentes. Temos um grupo pra falar das nossas dificuldades e conquistas. Hoje o Noah é o militantezinho da mamãe”.

Sentimento que também motivou Carol. Recebida de braços abertos pelo grupo, ela escolheu ser fio condutor dessa rede. Hoje dá ouvidos e voz às famílias de pessoas LGBTQIAP+ e se dedica a orientá-los sobre a importância da atenção dentro de casa.

Carolina e Lucca marcam presença em atos da comunidade LGBTQIAP+

Carolina Moraes Santos/Arquivo pessoal

“Nem os pais sabem lidar com isso. As pessoas começaram a me procurar pra falar sobre isso. Queriam saber como se portar, como não ser invasivas ou preconceituosas. Eu acabei transformando tudo isso, o luto e o preconceito, em formas de mudar essa realidade”, ressalta a mãe de Lucca.

“A gente já fez palestra em escolas estaduais e é sempre bem legal. Quando a gente tem informação, fica mais fácil. E os estudantes são super abertos. É uma troca sensacional, que faz muito bem. A gente vai fazer pelo outro e acaba fazendo pela gente”.

Juntas, elas e outras dezenas de pais e mães servem de exemplo. No país que mais mata transexuais no mundo (segundo dados da ONG Transgender Europe), entoam o "Ninguém solta a mãe de ninguém" – referência à frase que viralizou como forma de protesto após as eleições de 2018 – e torcem para que o ódio dê lugar ao amor.

“O que eu mais quero hoje é que nossos filhos tenham direito de ser quem são. Que essa questão de documentação seja mais fácil, sem burocracia. Que possam ir ao banheiro sem medo. Com esse novo governo, que tem secretaria LGBT, espero que esse tipo de coisa melhore”, pontua Kely.

“É um desafio. Nunca me imaginei nisso, mas é uma forma até de a gente transformar essa dor, esse conforto, ajudando outras pessoas. Eu não sei como vai ser daqui pra frente, mas tento dar o melhor pra ele. A melhor educação, carinho, conselho”, conclui Carol.

Mães da Resistência

A ONG Mães da Resistência, da qual participam Carol e Kely, foi formalizada em dezembro de 2021, mas atua desde 2016 pela defesa de pessoas da comunidade LGBT+. Está presente em 13 estados brasileiros e conta com mais de 390 associados.

"Estamos sempre apoiando e fortalecendo as entidades LGBTQIAPN+ e conscientizando a sociedade da importância do acolhimento familiar para as existências diversas da cisheteronormatividade [que diz respeito às pessoas cis e heterossexuais]".

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Fonte: G1

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