Em comemoração ao Dia Mundial do Hip Hop, celebrado neste domingo (12), o g1 conversou com artistas dos quatro pilares do movimento no Alto Tietê: DJ Kriador, MC Niw Rapper, B-boy Ramon e o grafiteiro Galo. Dia Mundial do Hip Hop: os quatro pilares de uma cultura que há 50 anos luta contra a marginalização
Emerson Fabiano Vieira da Silva/Arquivo pessoal
???????????? DJ, MC, grafitti e breaking. Esses são os quatro pilares da cultura hip hop, que nasceu no Bronx, em Nova York, em meados de 1973. O movimento começou a se espalhar pelo mundo e chegou no Brasil em 1980, especificamente em São Paulo, cidade chamada de "berço do hip hop" - por conta dos encontros que aconteciam na Rua 24 de Maio e na Estação São Bento do Metrô. Foi nela que muitos grupos se organizaram e, consequentemente, a cultura atingiu outras cidades da capital paulista.
"O hip hop é nosso mundo. O rap é um dos gêneros musicais mais ouvidos, os nossos DJs revolucionaram a forma que geral escuta música, a nossa dança - o breaking - já virou até modalidade olímpica de tão 'braba' que é e os nossos desenhos dominaram não só os prédios, mas o mundo das artes por aí. A parada é louca, nossa luta é diária. Começa de dentro para fora, transforma a pessoa", afirma o MC Niw Rapper.
Em comemoração ao Dia Mundial do Hip Hop, celebrado neste domingo (12), o g1 conversou com artistas dos quatro pilares do movimento no Alto Tietê: DJ Kriador, MC Niw Rapper, B-boy Ramon e o grafiteiro Galo.
Soltando o 'beat'
Emerson Fabiano Vieira da Silva, de 50 anos, é engenheiro de processos e arte-educador. Entretanto, com um toca-discos, um controlador, um mixer, um fone de ouvido e um vinil, ele se torna o DJ Kriador.
Aos 15 anos, DJ Kriador começou a aprender a arte da discotecagem
Emerson Fabiano Vieira da Silva/Arquivo pessoal
Ele conta que conheceu o hip hop em 1985, logo no início do movimento no país, por meio do programa televisivo "Barros de Alencar". Já em 1987 ele começou a frequentar os bailes black e, lá, conheceu os quatro elementos do hip hop. Em setembro de 1988, aos 15 anos, ele começou a aprender a arte da discotecagem.
"No final dos anos 80, em Mogi tinha um baile chamado Itapeti Club, que tocava bastante black music. Logo depois, vieram os bailes Rafh Club e o FRO Avenida. A comunidade do hip hop da cidade se encontrava nesses lugares para mostrar as coreografias e músicas. Toda essa movimentação foi dando mais abertura aos DJs e grupos de rap e, assim, o movimento foi acontecendo na cidade, entre 1988 e 1994", relata.
"Por volta de 1995, eu comecei a participar de um programa de rádio com um amigo. Ele ia direto na minha casa e, em uma dessas vezes, ao me chamar no portão, a mãe do meu filho respondeu 'ele está criando moda lá no estúdio dele'. Foi aí que nasceu o nome: 'Kriador'".
DJ Kriador atua, há dez anos, como professor na Casa do Hip Hop de Mogi das Cruzes
Emerson Fabiano Vieira da Silva/Arquivo pessoal
Kriador conta que já trabalhou com o DJ Hum, DJ Nandes Castro, DJ Fill, DJ Adejota, grupos de rap como Bocas do Rap, Conselho Racial, MCs Company, Nível de Cima, Acme SAM e vários outros. Além disso, desde 2013 o profissional atua como professor de discotecagem na Casa do Hip Hop, em Mogi.
"Tenho alunos de 13 a 58 anos, muita gente se inspira. Alguns DJs já foram meus alunos e hoje vivem da discotecagem. Tem também um idoso, que adora a época dos bailes e decidiu fazer a aula para relembrar daqueles momentos", diz.
"Ser DJ é isso: é você conseguir passar emoção e sentimento por meio da música. No hip hop você mescla, mixa, toca desde o soul dos anos 50 ao balanço dos grooves dos anos 70 e ainda consegue misturar com músicas atuais, harmonizando tudo e trazendo a pista toda para você. É sobre ter groove, fazer balançar, pensar e o mais importante: fazer todo mundo se sentir dentro da parada".
Passando a visão
Em um encontro de hip hop, o DJ 'solta o beat' e logo já aparece alguém rimando no ritmo da música. "Para mim, a missão do MC é passar a visão com a rima. O rap é basicamente um pai, ele fala como é a rua, ele fala como são as esquinas, como é a política, como é a sociedade, ele fala como é o mercado de trabalho, ele fala tudo pra você. É uma questão de conseguir escutar", afirma o soldador Joel Antônio Bonifácio, de 30 anos.
No mundo da arte, Joel é conhecido como Niw Rapper. Ele conta que cresceu ouvindo rap na casa do tio, mas só na adolescência descobriu que era capaz de rimar. "Eu cresci vendo as paradas e pensando 'nossa, que muito louco', assisti o Cabal rimando com o André Ramiro e fiquei impressionado com o improviso dos caras. Do nada cheguei na escola e falei para os meus parceiros 'eu sei fazer isso' e aí a gente começou a fazer", diz.
"Isso foi o que me inseriu na da sociedade porque, até então, eu era só um cara feio, excluído e que ninguém notava, também nunca fui muito bom em nada. Então, quando eu comecei a rimar, eu descobri algo que fazia com que as pessoas me notassem, consequentemente eu só queria fazer aquilo. Rimar me trouxe uma autoestima muito grande, acho que é a única coisa que me faz transcender ao ponto de me sentir extremamente bem".
Niw conheceu as rimas 'freestyle' em um programa de TV e decidiu começar a rimar na escola
Joel Antônio Bonifácio/Arquivo pessoal
As batalhas de rima, que começaram na escola, tomaram uma proporção ainda maior. Niw conta que, aos poucos, mais pessoas foram se identificando e começaram a querer fazer parte da ação. "Descobrimos um mano daqui da quebrada que fazia freestyle também, o ACME Sam. Todo mundo se encontrou e, a partir desse momento, ele decidiu criar a Arena MC, que era uma batalha que acontecia toda sexta-feira na Praça do Relógio. Foi basicamente esse movimento que me consolidou no rap".
Primeiro disco, primeira apresentação em festival, primeiro show com a Orquestra Sinfônica de Mogi das Cruzes e outros eventos marcantes: tudo por conta das batalhas de rima. "O rap é meu super-herói, ele me colocou num ambiente de destaque, onde nunca estive, num lugar onde as pessoas admiravam o que eu fazia".
"O rap passa a visão da vida. Ele fala como é a rua, a política, o mercado de trabalho, a sociedade. Ele fala tudo para você. Por muito tempo o gênero foi marginalizado por aqueles que não entendem a mensagem que o MC quer passar, 'o cara tá falando palavrão' e isso e aquilo. Agora, para mim, o rap já fala de outra forma, ele traz informação, ele conversa".
"O meu objetivo com o rap é conseguir passar algo bom pras pessoas, é dar continuidade para essa luta, para essa causa, para tudo isso... Me eternizar. É dessa forma que eu guardo meu lugar na história, é dessa forma que as futuras gerações vão ter conhecimento sobre quem eu fui e tudo que eu pude ser".
O MC já participou de festivais e até de uma apresentação com a Orquestra Sinfônica de Mogi das Cruzes
Joel Antônio Bonifácio/Arquivo pessoal
Colorindo a cena
Um espaço pronto para receber uma arte e uma lata de spray na mão: chegou a hora do grafitti. Em alguns casos, o spray é substituído por pincel e tinta. Diferente, né? Pois é isso que caracteriza o trabalho de Galvani Gonçalves Sarmento Neto, mais conhecido como "Galo".
A mais recente obra do grafiteiro Galo, na escadaria do Parque Botyra Camorim Gatti, em Mogi das Cruzes
Galvani Gonçalves Sarmento Neto/Arquivo pessoal
O artista, de 44 anos, conta que desenha desde 1998 e até pintava telas com a temática surrealista. Entretanto, o olhar para o grafitti só despertou em 2009, época em que ele trabalhava como desenhista projetista na capital e, durante o percurso, se deparava com vários trabalhos da Crew Vlok - composta pelos grafiteiros Os Gêmeos, Ise, Finok, Toes, Nunca, Koyo e Vino.
"Mesmo não conhecendo ninguém que fizesse graffiti, resolvi tentar. Quando comecei não sabia usar o spray e, como tinha uma experiência com pintura em tela, acreditei que estaria mais confiante em partir para o muro com pincéis. No começo, o pessoal me olhava estranho por não usar spray, falavam até que não era grafitti".
"O graffiti sempre foi alvo de preconceito. É uma cultura que nasceu nos guetos americanos, em meados da década de 70, tem uma origem periférica, e aos poucos foi ganhando as galerias e grandes centros. É um misto de sensações. Em alguns momentos o graffiti é glamourizado e, em outros, ele é marginalizado. De toda forma, como toda arte contemporânea, o grafitti provoca a sociedade".
"Muitas vezes o graffiti chega antes de qualquer outra forma de arte, já que está nas ruas, disponível para todo mundo. É mais acessível que museus ou equipamentos culturais que muitas vezes estão distantes dos bairros ou onde a renda média não permite o alcance à arte e ao lazer. Então, o graffiti é o despertar do indivíduo para a arte".
Prédio de conjunto habitacional de Mogi das Cruzes ganha grafite que relembra a história da cidade
Galvani Gonçalves Sarmento Neto/Arquivo pessoal
Além da arte, os grafittis também contam histórias. No ano passado, Galo participou de um projeto chamado "Quebrad'arte" e pintou um painel de 8m x 15m em um Conjunto Habitacional em César de Sousa, em Mogi das Cruzes. "Nele, eu contei um pouco sobre a formação dos povos originários da cidade, as lutas e batalhas entre os índios Botocudos e os Bandeirantes, as migrações e imigrações, um mix de povos que formaram a identidade e a marca do povo mogiano".
"Hip hop é representatividade, o grafitti é comunhão. Eu espero que o meu trabalho seja aquele 'um segundo' que desconecta as pessoas da realidade, que seja aquele momento de reflexão causado pela obra".
Montando a 'cypher'
Nos bailes de hip hop, os DJs remixavam os discos e, no momento em que as batidas ficavam mais evidentes (chamado de "breakdown", que é a quebra de tempo na música), algumas pessoas corriam para a pista de dança e já mostravam os passos. Eles acabaram ganhando um termo próprio: break-boys e break-girls que, mais tarde, começaram a ser chamados apenas por b-boys e b-girls.
Essa liberdade de expressão encantou o Israel Ramos de Silva Neto - o "b-boy Ramon" -, de 43 anos, ainda na infância. "Eu danço desde os 9 anos. Assisti o filme 'Beat Street' e fiquei apaixonado pelos passinhos dos anos 80. Foi uma das primeiras imagens que tive do breaking e isso ficou na minha mente. Eu só fui começar a dançar e treinar realmente com 15 para 16 anos".
"Dançar breaking funcionou, para mim, como uma válvula de escape. Eu era da periferia, minha situação social era bem complicada. Como eu era adolescente, me revoltava com muita coisa. Então dançar breaking foi uma experiência libertadora. Era mágico, sentir a adrenalina ao executar um giro no chão e ver tudo ao seu redor rodando... É uma sensação inexplicável".
B-boy Ramon é de Suzano, na Grande São Paulo, e conta que começou a dançar com 9 anos
Israel Ramos de Silva Neto/Arquivo pessoal
O b-boy lembra que, nos anos 90, a marginalização da cultura hip hop era muito grande. Ele conta que treinava, junto com o grupo, no estacionamento de um supermercado de Suzano, na grande São Paulo. Apesar de terem a permissão do dono do estabelecimento, os moradores do local ligavam para a polícia e afirmavam que eles haviam invadido o local e que estavam vandalizando.
"Tudo que vinha da rua não prestava e o hip hop, que nasceu na rua, era 'coisa de maloqueiro'. Muitas vezes nós fomos confundidos com bandidos, só por estarmos reunidos em algum lugar, tentando treinar o breaking. Sempre que estávamos em alguma praça treinando, alguém chamava a polícia para falar que estávamos bagunçando".
Encontros na Estação São Bento, "Frô" em Mogi das Cruzes e "New TomTom" em Suzano. Esses lugares já fizeram parte da vida do Ramon e, em todos, a troca de conhecimento era essencial. Ele diz que, além de só dançar, é preciso entender a história do movimento. Quando foi criado, os elementos do hip hop, qual a importância do breaking e acompanhar as músicas que fizeram o breaking se tornar o que é.
"O breaking é um estilo de dança 'mutante', ele se adapta a qualquer época, desde o início até hoje. Para mim, é uma das maiores expressões artísticas que existem. O breaking está muito além das batalhas. A dança está aí, se superando a cada dia, crescendo cada vez mais, e isso pôde ser observado quando o breaking foi anunciado como modalidade olímpica".
"Hip hop é 'lifestyle'. Ele me transformou, tanto intelectualmente quanto artisticamente. O hip hop me ensinou a importância da troca, de sempre passar o conhecimento adiante e estar aberto para aprender também. Não só para a dança, mas sim para tudo. O hip hop é vivência, o hip hop é cultura, é a vida como ela é".
Para o b-boy Ramon, o breaking é liberdade de expressão
Israel Ramos de Silva Neto/Arquivo pessoal
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