Dados são de pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único em novembro do ano passado. Para o cientista social Guilherme Amaral, perfil desta população na região é explicado pela História do Brasil. Voluntários da Mogi Solidária entregam comida a moradores em situação de rua em Mogi das Cruzes
Midori Schwartzmann/Arquivo Pessoal
Um levantamento do g1 aponta que os homens representavam 91% da população em situação de rua nas cidades do Alto Tietê inscritas no Cadastro Único em novembro do ano passado. Ainda de acordo com os dados, um total de 1.685 pessoas estava em situação de rua no penúltimo mês de 2022 na região.
A partir dos números, também foi possível identificar outras informações deste público, como cor/raça e faixa etária. Confira o perfil da população de rua na região:
61,3% são pessoas negras, sendo 46,23% pardas e 15,07% pretas;
67,8% têm entre 25 e 49 anos;
91% são homens.
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O levantamento também indica que a porcentagem de pessoas negras em situação de rua (61,3%) na região é maior que o percentual da população negra no país (56%), segundo estimativa do IBGE. Além disso, a maioria deste público (67,8%) tem entre 25 e 49 anos, intervalo de idade incluído na chamada "população economicamente ativa".
Em novembro do ano passado, a cidade com o maior número de pessoas em situação de rua era Suzano, com 642, seguido de Mogi das Cruzes, com 585. Já Biritiba Mirim tinha apenas uma pessoa nesta situação à época, enquanto em Salesópolis eram duas.
No final de 2021, esta população na região era de 1.746, segundo o CadÚnico. Na comparação com 2020, ano de início da pandemia e quando o total de pessoas em situação de rua era de 2.409, houve queda de 27,5%.
Realidade no acolhimento
A Casa de Acolhimento Masculina Palmares, localizada em Mogi das Cruzes, atende 40 pessoas em situação de rua atualmente. De acordo com Maria Lúcia, coordenadora do espaço, a maioria dos acolhidos fazem parte da faixa etária registrada pelo CadÚnico.
“No acolhimento, o perfil é entre 18 e 59 anos. Mas devido à demanda, atendemos os mais idosos também, até que seja aberta a casa para esse público acima de 60 anos".
Ainda de acordo com Maria Lúcia, grande parte dos acolhidos são naturais do Alto Tietê. Ela também afirma que o principal motivo alegado pelas pessoas atendidas pela casa de viverem nas ruas é o rompimento de vínculos com a família.
“Quebra de vínculos familiares é o principal. Por motivo diversos, álcool, drogas, rompimentos de relacionamento”.
Explicações históricas
Para o advogado, cientista social e professor universitário Guilherme Amaral, o ponto de partida para analisar o perfil da população em situação de rua no Alto Tietê e no país é compreender o passado do Brasil.
"A gente não pode esconder o fato de que a gente tem uma dívida enorme por causa da escravidão. A escravidão foi o primeiro passo pro surgimento de pessoas em situação de rua no país. O fato é que, quando a gente terminou definitivamente com a escravidão, a gente não deu condição pra essas pessoas iguais àquelas que vem de outros países, como por exemplo, libaneses, italianos ou outras nacionalidades, que vieram quase todos com financiamento do governo e, às vezes, com condições de até conseguir uma terra, às vezes com condições de um financiamento econômico”.
A pandemia foi um fator que atenuou as desigualdades no país. De acordo com Amaral, um dos grupos que mais sofreu e continua a sofrer impactos da situação sanitária, econômica e social no Brasil é a população em situação de rua.
“Muitas dessas pessoas vivem da caridade ou de grupos sociais organizados que deixaram de ir às ruas ou de pessoas que, na sua individualidade, faziam doações. E essas doações [durante o auge da pandemia] desapareceram. Então, essas pessoas em situação de rua viveram uma degradação ainda maior e acho que houve um verdadeiro aniquilamento de muitas dessas pessoas por falta de encontro com as organizações, pessoas que costumavam dar essa assistência, além dessa assistência do Estado que ficou um pouco prejudicada também”.
A invisibilidade da população de rua também é verificada nos dados oficiais. O Censo 2022 do IBGE, por exemplo, que está em andamento, apenas contabiliza quem tem moradia. Para o professor universitário, as estatísticas podem e devem contribuir para a construção de ferramentas de assistência a estas pessoas. “Esses dados são fundamentais para a gente fazer política pública, pra que a gente possa dar uma solução pra isso. Porque é realmente o flagelo mais vergonhoso que a gente tem”.
Amaral ainda destaca que, o nome técnico dado a este público busca humanizar as pessoas que o compõem.
"As pessoas estão em situação de rua, elas não nasceram na rua e não estão condenadas a estar na rua", disse.
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