ECONOMIA
Decisão proíbe a aplicação de produtos com fipronil em folhas e flores, para proteger insetos polinizadores. Agricultores ainda podem usar o componente ativo no solo. Imagem de uma aplicação mecanizada de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças.Christiane Congro Comas/EmbrapaDesde 2 de janeiro, o agrotóxico fipronil está suspenso para aplicação em folhas e flores, para proteger insetos polinizadores, como as abelhas. A proibição veio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O fipronil é um componente usado em inseticidas, produtos contra cupins e formigas e, apesar da restrição no campo, pode ainda ser encontrado nos supermercados em produtos do cotidiano, como no controle de carrapato e pulgas nos pets.Na lavoura, ele pode ser usado em diversos tipos de culturas, mas é mais popular em plantios de soja, cana-de-açúcar e algodão. O Brasil não é o primeiro país a dar um passo para trás em relação ao fipronil. O Uruguai foi pioneiro e baniu o agrotóxico em 2009. Depois vieram a União Europeia (2013), o Vietnã (2019), a Costa Rica (2022) e, no ano passado, a Colômbia. A África do Sul é outro país onde o seu uso é proibido.Segundo o Ibama, a razão da medida cautelar é que "as avaliações já realizadas indicam a potencial existência de risco ambiental inaceitável às abelhas, decorrente da deriva da pulverização, para todos os produtos à base de fipronil com indicação de uso via aplicação foliar", ou seja, em folhas. O comunicado da instituição determina ainda que as empresas que tenham o registro de agrotóxicos com fipronil publiquem um comunicado de advertência sobre o componente ativo em até 90 dias. O fipronil, que ganhou a fama de "matador de abelhas", também está sendo reavaliado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após ser identificado como um produto com "potenciais riscos à saúde não identificados no momento da concessão de registro", explicou o órgão em nota ao g1. Contudo, a agência alega que a reavaliação não foi feita ainda porque foram selecionados para análise outros produtos com maior prioridade na matriz de riscos utilizada pela instituição. Leia também:Nova lei dos agrotóxicos: o que o Lula vetou e a repercussão entre ambientalistas, ruralistas e a indústriaLiberação de agrotóxicos cai no Brasil em 2023, após sete anos seguidos de altaO que é o fipronil O fipronil é o principal componente ativo para controlar insetos sociais, aqueles que formam colônias, como formigueiros e colmeias, aponta Roberto Araújo, diretor de Defensivos Químicos na CropLife Brasil e membro do comitê-executivo da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A.). Para matar esses insetos, o fipronil causa um bloqueio nos canais nervosos deles. Então, os insetos são hiperestimulados e morrem, explica Araújo.Fipronil: a abelha leva o inseticida para a colmeia, contaminando as outras por contato ou alimentação.Arte/g1Porque ele ganhou fama de 'matador das abelhas' Existem duas maneiras de se aplicar o fipronil na lavoura: terrestre (na forma sólida, diretamente no solo) e aérea (forma líquida, sobre folhas e flores), que é espirrado em forma líquida nas folhas e flores, explica Osmar Malaspina, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador sobre o efeito do fipronil nas abelhas. Na forma aérea, o agrotóxico pode ser levado para lugares que não precisam do controle de pragas, matando as abelhas do local, aponta. Foi este modelo o proibido pelo Ibama.Malaspina explica que, até 2011, a empresa desenvolvedora do produto possuía a sua patente. Na época, o agrotóxico era usado apenas para controle de insetos no solo nos cultivos de cana-de-açúcar e para controlar pragas em sementes, sem ser aplicado no campo na sua forma líquida e, portanto, sem afetar as abelhas. Com a queda da patente, outras empresas começaram a comercializar o fipronil e em outras formas, dando início à sua aplicação em folhas e flores de forma aérea, contaminando as abelhas. Foi aí que o fipronil se tornou o agrotóxico que mais mata abelhas, diz o pesquisador. Malaspina fez parte de um estudo feito em uma parceria da Unesp, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que monitorou as ocorrências de mortes massivas de abelhas no estado de São Paulo. O resultado, publicado em 2017, apontou o fipronil em 70% dos casos. Os dados se referem apenas a mortes de abelhas criadas por apicultores, não foi possível ainda desenvolver uma análise dos insetos livres na natureza, explica o pesquisador.Por causa disso, mesmo antes dessa decisão mais recente do Ibama, já era proibido aplicar fipronil durante a época das floradas, para evitar a contaminação das abelhas, que são importantes colaboradoras na produção de alimentos. Mais de 70% da polinização das espécies de plantas na produção de alimentos é feita por abelhas, diz Malaspina. É o caso, por exemplo, da maçã, do maracujá e do café. Por isso, a agricultura e a apicultura são atividades que se complementam, aponta Araújo, da CropLife Brasil. Com o uso de abelhas nas lavouras, a produtividade e a qualidade dos cultivos aumentam, explica. Veja no vídeo abaixo como é a criação de abelhas para produção de mel no Brasil:De onde vem o que eu como: MelO que realmente muda com a medida do Ibama O fipronil tem seus efeitos estudados desde 2012, mas só agora o Ibama obteve dados satisfatórios para tomar a medida, diz Malaspina. Com a decisão, o fipronil não está proibido nas lavouras, mas fica proibida a sua aplicação nas folhas e nas flores, portanto ele ainda pode ser aplicado nas sementes e no solo. Mas isto não significa que todos os problemas estão resolvidos, diz o professor: "Falam: 'Está lá no solo, não vai matar abelha'. Mas vai chover em cima, vai contaminar o rio lá na frente, vai matar peixe", diz. Ainda assim, para novas medidas, seria preciso mais pesquisas sobre as consequências, aponta. Saiba também: Entenda como os defensivos biológicos podem ser alternativas aos agrotóxicosSetor pego de 'surpresa 'Para Araújo, diretor de Defensivos Químicos na CropLife Brasil, a surpresa na medida cautelar do Ibama é a suspensão imediata do uso do produto na aplicação foliar. "Esse tipo de coisa traz uma insegurança jurídica, traz aspectos que afetam economicamente as indústrias, os revendedores e os próprios agricultores que fazem a utilização dessa tecnologia", afirma. Para ele, seria preciso ter um período de transição para que os produtos em estoque fossem usados e para que o setor pudesse encontrar alternativas ao fipronil. O diretor diz ainda que, quando aplicado corretamente, os danos do fipronil são minimizados: "O produto fica aderido na semente, né? Então, quando é semeada, ela é colocada dentro do solo, ela é coberta e não tem contato com abelhas", diz. Para Araújo, o fipronil acabou sendo "vilanizado" pela facilidade de ser diagnosticado nas mortes das abelhas, mas que o real culpado é a aplicação errada dos produtos. Ele ressalta ainda a importância da tecnologia desta molécula para controle de insetos, como os cupins e formigas. Tem como evitar a morte das abelhas na agricultura? Tanto para o pesquisador da Unesp Malaspina quanto para o diretor de Defensivos Químicos na CropLife, Araújo, o primeiro passo é o uso correto dos agrotóxicos, para evitar que as abelhas tenham contato com eles e morram. Uma das formas de se fazer isso, por exemplo, é priorizar aplicações pela manhã e à noite, quando elas não estão colhendo o pólen. Outra atitude importante é que o apicultor e o agricultor tenham uma boa relação, deste modo ambos combinam os dias de aplicação dos agrotóxicos, podendo existir uma programação para as abelhas ficarem retidas em suas caixas e seguras. Além do uso de agrotóxicos, Melaspina ressalta a importância dos defensivos biológicos no combate às pragas nas lavouras, diminuindo o uso de produtos tóxicos às abelhas. "Já existe técnica e conhecimento científico disponível para que as pessoas consigam promover a convivência harmônica entre agricultura e apicultura", afirma Araújo. Entenda como é a produção de alimentos no Brasil: Água de coco não é tudo igual: veja quais tipos podem ser comercializados no BrasilDe onde vem a uva de mesaTrigo espera até um ano e passa por mais de 30 processos antes de virar pão