Auditoria do programa também identificou demora na recolocação dos beneficiados e R$ 248 milhões pagos de maneira potencialmente indevida entre 2015 e 2022. Quem busca o seguro-desemprego e tem o benefício negado tem quase quatro vezes mais chance de ser atendido em um recurso feito presencialmente do que pelos canais online.
É o que revela uma auditoria feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) na gestão do programa, cujo relatório se tornou público esta semana.
Os auditores analisaram a gestão do programa, que pagou cerca de R$ 38 bilhões a quase 6 milhões de pessoas que perderam seus empregos em 2022.
Foram encontrados problemas na análise de recursos e na proteção das pessoas enquanto buscam recolocação – além de possíveis pagamentos indevidos de R$ 248 milhões.
O g1 questionou o Ministério do Trabalho sobre as conclusões do relatório, mas a pasta não se manifestou.
Carteira de trabalho emprego
Divulgação
Diferença de resultados por plataforma
Um dos pontos apresentados no relatório trata das diferenças de resultado nos recursos feitos pelos cidadãos.
Quem entra com o pedido para receber o benefício e é rejeitado pode recorrer da decisão:
presencialmente – em agências do trabalhador ou postos de atendimento do Sistema Nacional de Emprego (Sine);
ou por meio online, através do Portal Emprega Brasil ou pela Carteira de Trabalho Digital.
O relatório aponta que, dos cerca de 228 mil recursos apresentados online em 2022, apenas 18,6% (aproximadamente 42 mil) foram aceitos.
Já nos 202,6 mil recursos feitos presencialmente, a taxa de deferimento sobe para 67,4%, quase quatro vezes mais do que nos pedidos online.
Para os auditores, o resultado diferente "pode estar relacionado ao auxílio prestado ao trabalhador por ocasião do protocolo do pedido presencialmente."
A possibilidade faz sentido para Luís Gustavo Nicoli, advogado especialista em Direito do Trabalho. Ele relata que muitas vezes o trabalhador, por motivos de instrução e acesso à internet, por exemplo, tem dificuldade em utilizar os sistemas, o que pode levar a requerimentos iniciais inadequados.
"O governo poderia evitar com um atendimento mais humanizado. Há uma dificuldade de acesso do cidadão às novas tecnologias. Quantos trabalhadores só têm acesso à internet pelo celular? E às vezes aquele sistema não oferece a oportunidade dele fazer todos os requerimentos adequados", argumenta.
À CGU, o Ministério do Trabalho informou que as descobertas seriam alvo de uma avaliação específica junto à empresa que opera os sistemas online de requerimentos. Essa avaliação será acompanhada pelos auditores a partir de agora.
Demora em recolocação
Os auditores também analisaram a efetividade do programa como proteção financeira a quem perde o emprego.
Segundo os auditores, menos de um terço (28,5%) dos trabalhadores que receberam o seguro-desemprego em 2022 conseguiram voltar ao mercado de trabalho antes do fim da cobertura do programa – que paga até cinco parcelas mensais.
Em média, diz o documento, os trabalhadores que conseguiram novas vagas levaram 196 dias para isso.
"Dado que o tempo de assistência oferecido pela política pública está sujeito a limitações orçamentárias, é fundamental que o gestor concentre esforços no tratamento das causas do elevado tempo de reemprego,implementado as requeridas ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional", diz o relatório.
Pagamentos potencialmente indevidos
Os auditores expandiram a análise do programa para um período desde junho de 2015 em busca de possíveis pagamentos indevidos.
Segundo o relatório, foram identificados 13.819 casos em que o benefício tenha sido pago de maneira recorrentes a trabalhadores cujos vínculos tenham sido sempre com as mesmas empresas, "o que pode indicar possível utilização indevida do benefício."
O número corresponde a apenas 0,03% dos 35,2 milhões de trabalhadores que receberam o benefício no período, mas significa o pagamento de 184,7 mil parcelas do seguro-desemprego, que somam R$ 248,8 milhões.
"A recorrência no usufruto do seguro-desemprego, bem como a recontratação por uma mesma empresa podem ser indicativos de utilização indevida do benefício. Assim, é relevante que o gestor monitore o comportamento dos requerimentos do seguro-desemprego, sob risco de concessões indevidas gerarem pressão financeira desnecessária (...), prejudicando o alcance da política pública e a sua focalização considerando seu público-alvo", diz o documento.
Como funciona o benefício
O seguro-desemprego é um benefício pago a quem é demitido sem justa causa e não tem renda própria suficiente para manutenção da família.
Além disso, é preciso ter trabalhado, recebendo salário, para pessoas jurídica ou física equivalente por um período mínimo de:
pelo menos 12 meses (nos últimos 18 meses anteriores à data de dispensa), caso seja a primeira solicitação do benefício;
pelo menos 9 meses (nos últimos 12 meses) anteriores à data de dispensa, caso seja a segunda solicitação;
cada um dos 6 meses imediatamente anteriores à data de dispensa, para outras solicitações.
Não é possível receber o benefício caso o trabalhador já esteja recebendo qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, com exceções para
auxílio-acidente;
auxílio suplementar; e
abono de permanência em serviço.
O pedido pode ser feito pelo Portal Emprega Brasil, no aplicativo da Carteira de Trabalho Digital, nos e-mails corporativos das Superintendências Regionais do Trabalho ou pelo telefone 158.
Advogado explica sobre o seguro-desemprego no Bom Dia Responde