Depois de indícios de que os Estados Unidos podem estar caminhando para uma recessão, mercado financeiro global passa por um dia de forte crise. Bolsa de Tóquio, no Japão, teve seu pior resultado desde a chamada 'segunda-feira negra' de 1987. Bolsas do Japão emendaram sequência negativa
ASSOCIATED PRESS
O clima azedou no mercado financeiro desde sexta-feira (2), dia em que foram divulgados os dados de emprego nos Estados Unidos. A criação de vagas veio bem abaixo do que o esperado por analistas, mostrando uma desaceleração mais brusca da economia americana.
O que parece um assunto interno tem repercussões globais: os temores de uma recessão nos EUA levam investidores a recalcular suas apostas e levar o dinheiro para opções mais seguras. Essa saída de dinheiro em massa faz com que as bolsas de lá, e de todo o mundo, sofram nesta segunda-feira (5).
E há muito mais problemas no radar: há uma intensificação no conflito geopolítico no Oriente Médio. O chefe do grupo terrorista Hamas Ismail Haniyeh foi morto em Teerã, no Irã, também na última semana. E, agora, há promessas de retaliação.
Por fim, o Japão tem questões internas que se intensificaram com o clima ruim do mercado. Como forma de combater a inflação, o banco central japonês subiu os juros do país e fez o mercado desmontar posições de que se aproveitavam dos juros baixíssimos. (entenda melhor abaixo)
No cenário difícil, a bolsa de Tóquio teve seu pior resultado desde a chamada 'segunda-feira negra' de 1987. Mercados de outros países ao redor do mundo — dos desenvolvidos aos emergentes — também vão mal.
Veja abaixo perguntas e respostas para entender a crise desta segunda-feira.
Por que os dados de emprego dos EUA tiveram tanto impacto?
Por que a possível recessão dos EUA é importante?
Como ficaram as bolsas dos EUA?
Como ficou a situação no Brasil?
Por que a bolsa do Japão caiu mais que as outras?
Como a guerra no Oriente Médio entra nesse cenário?
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Por que os dados de emprego dos EUA tiveram tanto impacto?
O payroll, um dos principais relatórios de emprego dos Estados Unidos, reportou 114 mil vagas não agrícolas criadas em julho. O número veio bem abaixo das 175 mil vagas que eram esperadas pelo mercado financeiro.
O setor privado gerou 97 mil postos de trabalho, a segunda menor leitura desde dezembro de 2020. Com isso, a taxa de desemprego subiu para 4,3% (ante 4,1%).
Os números do mercado de trabalho vieram apenas dois dias depois de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidir manter suas taxas de juros inalteradas por, pelo menos, mais 45 dias.
Hoje, a taxa básica está entre 5,25% e 5,50%, maior patamar em 21 anos. Juros altos encarecem processos de tomada de crédito e financiamento para pessoas e empresas, o que tende a reduzir a atividade econômica e diminuir o consumo da população. Podem causar justamente uma recessão. (veja mais abaixo)
O Fed, contudo, não se sentiu confortável até o momento para reduzir as taxas, pois buscava levar os índices de inflação de volta para a meta de 2%. O índice está atualmente em 3% na janela de 12 meses, e a avaliação era que o mercado de trabalho aquecido poderia gerar mais pressão nos preços.
Agora, porém, o temor dos investidores é de que o esforço do BC americano para frear a inflação sem causar uma recessão tenha falhado.
"O mercado realmente migrou de um extremo para o outro. Passamos de uma preocupação sobre quando o Fed vai cortar juros, [...] para uma preocupação sobre se a economia vai entrar em recessão. O que estamos vendo desde sexta-feira, é uma mudança na precificação de corte de juros", afirma Helena Veronese, economista-chefe da B.Side.
Por que a possível recessão dos EUA é importante?
Uma recessão nos EUA causa uma série de impactos no mercado financeiro. O mais direto é que uma crise causa uma redução dos lucros das empresas. Com a perspectiva de resultados piores, as ações dessas empresas se desvalorizam.
Há outras questões indiretas: a perspectiva de faturamento menor faz as empresas investirem menos, terem mais dificuldades de honrar dívidas e, no limite, demitirem ou entrarem em processos de falência.
Os investidores, por consequência, deixam de apostar em grandes lucros e se retraem. O fluxo de dinheiro, portanto, sai da bolsa de valores ou dos investimentos diretos, para ativos mais seguros. É o caso dos títulos de dívida americana (as Treasuries), considerados os mais seguros do mundo.
Pelo tamanho da economia americana, esse "caminho do dinheiro" é replicado em escala global. Isso afeta as bolsas de outros países e dá força ao dólar.
Como ficaram as bolsas dos EUA?
Nos EUA, as bolsas de valores têm quedas ainda mais fortes, na casa dos 3%. Às 12h50, todos os principais índices acionários americanos caíam, com a maior parte das empresas listadas nas bolsas do país também em baixa.
Veja os números:
Dow Jones caía 2,30%, com as 30 empresas listas em baixa
S&P 500 caía 2,60%, com 458 empresas em baixa e 43 em alta
Nasdaq 100 caía 2,70%, com 86 empresas em baixa e 15 em alta
Nasdaq caía 3,10%, com 2.859 empresas em baixa e 289 em alta
Nos últimos meses, os índices americanos foram sustentados por resultados imponentes de ações de tecnologia, mas o "encanto" perdeu força na última rodada de balanços corporativos.
Os números frustraram os investidores de empresas como Amazon (uma das companhias com os maiores valores de mercado da atualidade), Microsoft e Intel.
"Tivemos uma correção de ações de tecnologia. A notícia que Warren Buffett vendeu metade da participação que tinha em Apple, a queda de 25% de Intel na semana passada, e os valuations muito altos de empresas de Inteligência Artificial", analisa Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
"Nvidia sozinha vale mais que a bolsa da Alemanha, cheia de empresas consolidadas. Essa liquidação das empresas de tecnologia e das criptomoedas também traz mais tensão."
Na Europa, as bolsas também operam com quedas expressivas. O índice STXX Europe 600, que reúne 600 empresas distribuídas entre 17 países do continente, recuava mais de 3%.
Como ficou a situação no Brasil?
Países emergentes, como o Brasil, que são considerados mais arriscados pelos investidores, sofrem ainda mais com a saída de recursos.
Resultado disso: o dólar chegou a R$ 5,86 no pregão desta segunda-feira, enquanto o Ibovespa caía mais que 1%.
Por que a bolsa do Japão caiu mais que as outras?
A Bolsa de Tóquio encerrou a sessão de segunda-feira (5) com a maior queda em pontos de sua história, afetada não só pelo clima de aversão ao risco como também por uma grande valorização do iene.
A moeda japonesa se valorizou de 162 ienes por dólar em julho para 141,73 por unidade nesta segunda, um nível que não era registrado desde janeiro.
A recente valorização foi estimulada pelas decisões políticas do Banco Central do Japão, que na semana passada aumentou suas taxas de juro pela segunda vez em 17 anos e anunciou que pode repetir a medida em breve.
"Foi o único BC que não subiu juros na pandemia, então começou um movimento de tomar a dívida com juros zero em iene, e aplicar nas outras moedas. Inclusive em moedas ricas, pois os Estados Unidos estavam pagando 5,50% de juro", explica Paulo Gala, do Banco Master.
Essa manobra se chama "carry trade". Gala diz que essa desvalorização do iene começou a provocar a inflação no Japão e criou preocupação extra do BC. "Houve um movimento de subida de juros e de venda de US$ 35 bilhões para valorizar o iene", diz.
"Deu certo para a moeda, mas esfolou todo mundo que estava posicionado nesse 'carry trade'. Todo mundo correu para desmontar essa aplicação e prejudicou outras moedas, principalmente as emergentes", explica Gala.
Além disso, a valorização da moeda é ruim para os exportadores japoneses, porque torna os produtos do país mais caros para os compradores estrangeiros, diminuindo a atratividade.
O Nikkei 225, principal índice da bolsa japonesa — que já havia fechado em queda de 5,8% na sexta-feira — desabou mais 12,4% nesta segunda-feira. Trata-se de um recorde de baixa na história, que recorda o "crash" de 1987.
Como a guerra no Oriente Médio entra nesse cenário?
O clima de tensão no Oriente Médio também escalou desde a semana passada, e gera mais um elemento de estresse no mercado financeiro. Também na sexta-feira, o funeral de Ismail Haniyeh, chefe do Hamas morto na capital do Irã, foi marcado por protestos e avisos de vingança para Israel.
Irã e Hamas acusam Israel de executar o assassinato e prometeram retaliações a seu inimigo. O governo israelense não assumiu a responsabilidade pela morte nem negou.
Mesmo sem que o governo israelense tenha assumido autoria pela morte, Khamenei prometeu "punição severa" para Israel. O novo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, criticou a ação dentro do país. Ele afirmou que o Irã "defenderá sua integridade territorial" e disse que "Israel se arrependerá pelo assassinato covarde".
O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, declarou que "Israel não quer guerra, mas estamos preparados para todas as possibilidades".
"Guerras costumam ser ruins para atividades de maneira geral. Se a gente tiver uma guerra, de fato, envolvendo Israel, talvez essa precificação de juros mude um pouco porque essa guerra seria inflacionária", diz Veronese, da B.Side.
"Por outro lado, o risco de recessão aumenta. Então, acredito que o payroll atrapalhou, mas o pano de fundo já estava sendo de muita aversão a risco."