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Mogi das Cruzes

Apesar de avanços, especialistas apontam que combate à violência contra mulher ainda depende de estrutura multidisciplinar e reeducação social


Neste Dia Internacional da Mulher, g1 destaca avanços e o que falta para que esse tipo de crime seja combatido. Reportagem também conversou com mulheres que passaram pela violência e que ajudam a compreender a importância de novas ações. Vítima de violência doméstica em entrevista ao g1, em Mogi das Cruzes

Vinícius Silva/TV Diário

“Foram anos de sofrimento, até que eu consegui o divórcio. Foi igual receber uma carta de alforria. Igualzinho”. O relato é de uma mulher que durante décadas foi vítima do homem com quem sonhou em compartilhar a vida. As cicatrizes já não estão mais na pele, mas os episódios de violência nunca vão sair da memória (confira mais abaixo).

Histórias como essa fazem parte da rotina das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), que foram criadas justamente para garantir que essas vítimas fossem protegidas. No Alto Tietê, as unidades instaladas em Arujá, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e Suzano realizam esse trabalho e exercem papel importante no combate à violência doméstica.

No entanto, quem convive com esse tipo de crime sabe que, embora seja fundamental, a ação da polícia não pode ser a única ferramenta de suporte nesses casos. No Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quarta-feira (8), o g1 destaca ações importantes e o que ainda falta no enfrentamento ao crime que segue em crescimento ano a ano.

Delegacia da Mulher

Delegacia de Defesa da Mulher de Mogi das Cruzes (DDM)

Vinícius Silva/TV Diário

A DDM de Mogi das Cruzes foi a primeira da região. Instalada em 1991, já teve quatro delegadas e há três anos está sob o comando de Luciana Amat. Ao longo de todo esse período, muitas mudanças. A conscientização das vítimas é uma delas. Se hoje as mulheres entendem que denunciar é um direito, antes elas precisavam enfrentar a vergonha e o julgamento.

O relato no começo dessa reportagem é um exemplo disso. A vítima conta que, depois do casamento, o comportamento agressivo do companheiro se transformou em terror psicológico e logo vieram as agressões físicas. O problema é que, naquela época, muita gente não entendia a gravidade desse crime e, para muitos, era só briga de marido e mulher.

Denunciar e expor a situação era constrangedor. Mas, no fundo, a dona de casa sabia que algo estava errado e teve que lutar muito para se libertar. “Ele me manteve presa pelo medo e pela vergonha. Mais a vergonha ainda. Tanto é que eu não falava pra ninguém. Eu sofria calada, longe da família, né? Eu achava que ninguém ia saber se eu ficasse calada”.

“Cada vez mais eu fui me isolando. Só saía com ele, não fazia nada sem ele. Tinha aqueles períodos que ele via o tamanho do meu sofrimento, aí ele vinha com os agrados. Dava coisas, a gente passeava bastante, viajava”. Foi na Delegacia de Defesa da Mulher de Mogi das Cruzes que ela procurou ajuda. Após anos na justiça, conseguiu o divórcio e, finalmente, pôde recomeçar a vida.

Lei Maria da Penha

Luciana Amat, titular da Delegacia de Defesa da Mulher de Mogi das Cruzes (DDM)

Vinícius Silva/TV Diário

Outra mudança importante e que acompanha as transformações da sociedade é a aprovação da Lei Maria da Penha em 2006. O texto colocou no papel o entendimento de que violência contra a mulher é crime. Além de coibir esses atos, também estipula punição adequada aos agressores, um instrumento que veio pra garantir mais segurança e justiça, como explica Luciana Amat.

“Ao longo dos anos, a Lei Maria da Penha foi se adequando, foi se aperfeiçoando, mas uma das principais mudanças é a mudança da pena. Antes da Maria da Penha, as penas do agressor de violência doméstica podiam ser alternativas, [incluindo] serviços à comunidade, pagamento de cesta básica”.

“Hoje a lei proíbe esse tipo de substituição. Então, a pena em caso de condenação vai ser uma prisão. Além disso, as medidas protetivas. Uma ferramenta que, hoje, ela é solicitada e representada com muito mais agilidade”, completa.

Diferentemente do que acontecia anos atrás, atualmente a vítima sequer precisa sair de casa pra dar queixa na polícia. O boletim de ocorrência pode ser feito pela internet mesmo, no site da Delegacia Eletrônica. De lá, vai pra uma central capaz de pedir medida protetiva, em casos mais graves, e depois vem para a DDM, onde passa por investigação.

Dados divulgados pela Polícia Civil mostram que o número de boletins de violência doméstica e sexual registrados pela internet têm crescido em Mogi das Cruzes. Em 2020 foram 210, passou para 407 no ano seguinte e chegou a 545 em 2022. Uma alta de 159% em dois anos.

Ainda falta muito

Rosana Pierucetti, presidente da ONG Recomeçar, de Mogi das Cruzes

Vinícius Silva/TV Diário

No entanto, para além da denúncia na delegacia, muita coisa precisa mudar para que as vítimas de violência sejam, de fato, acolhidas. É o caso do próprio judiciário brasileiro, que conta com 145 juizados especializados em violência doméstica. O número representa menos de 2% das mais de 8 mil varas em todo o país. Cenário que a advogada Rosana Pierucetti conhece muito bem.

Há quase 20 anos se dedica a atender mulheres, crianças e adolescentes que enfrentam esse tipo de violência. É presidente da ONG Recomeçar, que atua em Mogi das Cruzes para oferecer acolhimento exclusivo às vítimas que correm risco iminente de morrer. No local, além da moradia, existe apoio multidisciplinar 24 horas, incluindo psicólogo e assistência social.

Direitos básicos e que deveriam ser acessíveis a todas que precisam “Nós temos a falta de muitos serviços ainda. Temos a falta de acolhimentos não sigilosos, porque tem o sigiloso que é pras mulheres que correm risco de morte, mas tem o não sigiloso pra mulher que vai trabalhar, levar os filhos pra escola”, comenta Rosana.

“Os centros de referência, que são raros ainda, não são todos os municípios que têm. A gente fala muito na sensibilização dos serviços que acolhem a mulher no momento em que ela procura ajuda. Isso faz toda a diferença”.

Uma jovem, que preferiu manter a identidade preservada, também passou por momentos de terror ao lado do ex-companheiro. Depois de uma série de agressões, ficou com marcas que vão além do corpo. Sem apoio da família, teve que passar uma noite na rua e foi justamente na ONG, que faz jus ao nome, que ela encontrou um jeito de recomeçar.

“Foi o lugar que me acolheu, nem na minha família eu tive esse acolhimento. Foi muito bom. Eu chego a me emocionar, porque são pessoas maravilhosas, por quem eu tenho um apego muito grande, uma lembrança muito boa. Eu poderia ter ficado na rua, sem a minha filha. Meu maior medo era ter que deixar a minha filha”.

“Seria muito pior eu ficar sozinha. Foi muito bom poder buscar ela e ficar com ela por lá. Lá eu me fortaleci em todos os sentidos”.

Educação em primeiro lugar

Jovem vítima de violência doméstica ficou abrigada na ONG Recomeçar, em Mogi das Cruzes

Vinícius Silva/TV Diário

Mais importante do que remediar, é prevenir. O suporte e a justiça são mais do que fundamentais. Só que enquanto a sociedade não entender que o respeito é a base de tudo, que no amor não cabe violência e que lugar de mulher é onde ela quiser, esses crimes vão continuar acontecendo. Para isso, educação é a resposta.

“Eu entendo que ainda falta um trabalho de prevenção. O que é a prevenção? É mostrar pras pessoas que tem que enxergar aquela mulher como um ser direito. Não é porque ela está discutindo com o marido dela que ele tem o direito de fazer, de tratá-la daquela forma, com violência na rua, numa festa, qualquer ambiente”, diz Rosana.

“Muitas vezes as pessoas pensam "não vou me meter". Tem que se meter. Se está existindo a violência, se não há uma discussão desrespeitosa, tem que ter interferência. Essa sensibilização da sociedade é com educação que a gente vai fazer, inclusive educação nas escolas. Porque aí cresce uma criança que já tem essa visão do respeito entre homens e mulheres”, completa.

“Eu defendo que haja um trabalho de reeducação dos agressores em caso de condenação, para que eles possam compreender os relacionamentos humanos, principalmente com as mulheres, de forma diferente. Já existem programas em outras cidades em que o agressor passa por esse tipo de curso e, aí sim, a gente vê uma melhora. Porque a gente vê casos de agressores que agridem mais de uma mulher, ele volta a repetir com outras mulheres. Enquanto não reeducar, só punição não vai funcionar”, afirma Luciana Amat.

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