Administração municipal suspendeu os repasses para o desfile de 2025, alegando que a gestão anterior não destinou verba para o evento. Medida frustrou integrantes de escolas de samba da cidade. Estação 1ª de Brás Cubas no carnaval de Mogi das Cruzes.
Natan Lira/G1
Tradicional palco do carnaval de Mogi das Cruzes, a Avenida Cívica, no bairro do Mogilar, desde 2020, não é ocupada por uma das manifestações mais genuínas da cultura brasileira: o desfile das escolas de samba.
A Covid-19 mudou o calendário cultural e vida da cidade e do mundo e, desde a flexibilização da pandemia, não houve o retorno dos desfiles de carnaval na cidade.
Em 2025, a situação não é diferente. No dia 1º de janeiro deste ano, a Prefeitura de Mogi das Cruzes, por meio de um decreto, suspendeu todos os repasses de verbas municipais para o carnaval. A gestão justificou a medida alegando déficit orçamentário das contas e que a gestão anterior não destinou verba para o evento.
A medida frustrou os integrantes das escolas de samba da cidade. De acordo com os dirigentes das entidades, em outubro de 2024 a gestão do ex-prefeito Caio Cunha realizou uma reunião com os representantes das agremiações e teria afirmado que haveria desfile em 2025. Entretanto, após o fim das eleições, as escolas foram informadas de que o evento não iria acontecer.
Elas alegam que chegaram a investir um valor somado em torno de R$ 80 mil em materiais e fantasias, contando com o carnaval em 2025. Para não sair no prejuízo, algumas venderam esses itens a escolas de outras cidades, como Bertioga, Guaratinguetá e até do estado de Minas Gerais.
Segundo os presidentes das agremiações, mesmo que a administração municipal atual quisesse organizar o desfile já no primeiro mês de mandato, não seria possível.
"Carnaval leva tempo, não leva um mês, leva em torno de seis meses para preparar. Não tem como destinar a verba agora, faltando um mês para o evento. Espero que em 2026 tenha desfile de carnaval organizado. Que a gente sente com a prefeita, as escolas se planejem e pensem nas fantasias", complementou Nélio da Silva, presidente da Acadêmicos do São João, que possui 53 anos de história e participou de todos os desfiles da cidade.
No último desfile de carnaval em Mogi, em 2020, a Prefeitura destinou R$ 120 mil para as escolas. A campeã do carnaval daquele ano foi a Unidos da Vila Industrial. Para Emerson Rodrigues da Silva, presidente da escola, que em 2026 completa 50 anos de fundação, o fim do carnaval causa distanciamento da comunidade.
"Não ter carnaval acaba sufocando. Durante o ano fazemos eventos, mas não é exatamente quando tem carnaval. Quando tem carnaval todo mundo se empolga e participa", destacou.
Impactos na economia local
Carnaval também significa oportunidade de trabalho para alguns profissionais. Paulo da Silva, presidente da Estação 1ª de Brás Cubas, , ressaltou que a festa faz a economia girar.
"As costureiras já têm as renda delas fixa. O carnaval era uma renda extra para ajudar. Tanto as costureiras como soldador, eletricista, escultor. Tudo isso aí é uma cadeia. Essa época do carnaval [gera] renda extra para essas pessoas, né?".
Grupo especial desfilando na Avenida Cívica durante o carnaval de 2016
Cristina Requena/G1
Alternativas para a volta dos desfiles
Ao g1, os dirigentes das escolas de samba da cidade disseram que acreditam ser necessário ter mais apoio do poder público municipal. Não só com a estrutura para acontecer os desfiles.
Algumas agremiações defendem que a lei que destina a verba para o carnaval poderia mudar. Ao invés de incluir na Lei Orçamentária do Município, o dinheiro poderia ser repassado via Programa de Fomento à Arte e Cultura de Mogi das Cruzes (Profac). Esse programa é composto por editais que incentivam a produção cultural da cidade e oferece recursos financeiros para iniciativas em diferentes áreas da arte e cultura.
Uma liga das escolas de samba de Mogi das Cruzes também está entre os planos das agremiações, como sugere Geraldo Bertoche, presidente da Acadêmicos da Fiel.
"A liga seria importante, porque ajuda a organização do carnaval e ajuda em patrocínio. Se a prefeitura ajudar, de fato, a apresentar a liga às empresas e dizer que estão em busca de patrocínio para o carnaval, poderia ser bom", explicou Bertoche.
A Acadêmicos da Fiel participa do carnaval mogiano há quase 30 anos e também realiza ações sociais, como distribuição de alimentos e projetos esportivos gratuitos à comunidade. Durante todo o ano, é comum que a agremiações da cidade realizem eventos nas respectivas quadras para arrecadar dinheiro para o carnaval e para manter a quadra da escola, assim como fazem ações sociais.
A procura do carnaval
Sem carnaval na cidade, componentes de algumas escolas de samba de Mogi das Cruzes passaram a desfilar por agremiações da capital nos últimos anos. É o caso do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Unidos de Vila Industrial, que ocupa o posto de segundo casal da escola paulista, Acadêmicos do Tucuruvi.
Camila Pacini e Gustavo Oliveira começaram a vida no samba ainda crianças, na ala mirim da bateria e de porta-bandeira da Unidos da Vila Industrial. Com o tempo, se aperfeiçoaram na arte carnavalesca e chegaram ao posto de carregar o pavilhão da escola.
"Eu tinha apenas 8 anos quando recebi o convite [..] da diretoria da escola para ser porta-bandeira de uma ala mirim que a Vila ia fazer. Minha mãe falou: pode até levar, porém, ela é tímida, não vai dar certo. E no fim eu fui e nem a minha mãe me reconheceu. Amei e depois dessa oportunidade, me dediquei muito para aprender e melhorar a cada desfile. Passei por essa ala mirim, fui terceira, segunda e em 2015 passei a ser a porta-bandeira oficial da Unidos da Vila Industrial", relembrou Camila.
Camila e Gustavo como porta-bandeira e mestre-sala pela Unidos da Vila Industrial
Ney Sarmento/PMMC
A dupla já desfila no carnaval paulistano há um tempo e Camila já passou por diversas agremiações, como X-9 Paulistana, Barroca Zona Sul, até chegar à Acadêmicos do Tucuruvi onde está desde 2024.
O convite para Gustavo fazer parte do carnaval de São Paulo chegou em 2024, por meio de um mestre-sala da Tucuruvi que também desfilava em Mogi.
De lá para cá, foram anos como mestre-sala de apoio, até chegar ao posto de segundo casal da escola. "Sempre tive vontade de conhecer o carnaval paulistano, só conhecia [..] pela TV, nunca imaginava um dia poder estar representando a minha cidade, representando a minha escola de samba, principalmente, né? O que a gente chama de solo sagrado, que é o Anhembi, né? E ter toda essa repercussão que tem de estar no carnaval de São Paulo", contou Gustavo.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira fica decepcionado por não desfilar na avenida em Mogi, mas tem esperança que o evento volte a acontecer.
"Fico bem chateado e bem frustrado, porque o carnaval não é apenas a folia de todos. O carnaval pode gerar emprego, o carnaval bem estruturado com o apoio da prefeitura, principalmente da Secretaria de Cultura, ele pode gerar renda para a cidade, pode ter um retorno positivo e sendo bem estruturado, sendo bem amparado pelos órgãos competentes, eu tenho certeza que as escolas de samba conseguem também se empenhar na geração de empregos, seja ele temporário ou não. Sem contar a movimentação, acaba movimentando a cidade de alguma forma, além de toda a ancestralidade, de toda a cultura, de toda a arte que o carnaval traz, que pode também engrandecer e elevar a outros patamares, Mogi das Cruzes.", desabafou Gustavo.
O que diz a Prefeitura de Mogi
O g1 questionou a Prefeitura de Mogi das Cruzes sobre a possível criação de uma liga das escolas de samba e os próximos passos para a volta do desfile de carnaval em 2026.
A Secretaria Municipal de Cultura informou que segue aberta ao diálogo com todos os setores culturais e valoriza a importância histórica que a festividade carrega. Informou também que, neste momento, a administração está comprometida em honrar as dívidas e revisar os contratados, custos e fornecedores. Após a revisão, a prefeitura disse definirá as melhores ações a serem tomadas para o ano que vem.
Procurado pelo g1, o ex-prefeito Caio Cunha explicou que desde o início de sua gestão manteve diálogo com os presidentes das agremiações para discutir o futuro do desfile.
Caio afirmou ainda que o evento precisava se profissionalizar e seguir exemplos de captação de recursos via patrocínios e leis de incentivo, sem depender do orçamento público. Concluiu ainda que, para 2026, três escolas conseguiram recursos por meio de leis de incentivo. Duas foram contempladas com R$ 60 mil e outra com R$ 500 mil pela Lei Rouanet, com a ajuda da então Secretaria de Cultura.
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