Pedro tem 28 anos e precisou ficar internado após o crime. Ele agora conta com o apoio da família e de amigos da vizinhança para se recuperar. Jovem negro baleado em Mogi das Cruzes dá entrevista após receber alta do hospital
O jovem negro de 28 anos, que precisou passar por cirurgia após ser baleado por um guarda municipal, em Mogi das Cruzes, conversou com a equipe da TV Diário depois receber alta do hospital. Pedro Azpilicueta voltava do futebol quando foi atacado pelo vizinho José Carlos de Oliveira. Além da dor dos tiros, o jovem também teve que lidar com o medo de que os pais sofressem retaliações.
“Ele começou a me agredir com palavras, chamando de macaco, de preto, de sujo. Falou da minha mãe, do meu pai também. Foi uma coisa que mexeu comigo. Eu retruquei quando falou do meu pai. Ele pegou uma barra de ferro para me bater, tirei o celular para filmar as palavras que ele estava falando”, relembra.
Pedro foi baleado pelo vizinho, que é guarda municipal, em Mogi das Cruzes
Reprodução/TV Diário
“Ele sacou a arma e atirou em mim. A recuperação até que foi rápida, mas na cabeça foi difícil saber que meus pais ainda estavam aqui esperando uma resposta se ele estava preso, se não estava preso. Eu com medo de ele fazer alguma coisa com meus pais”.
A ocorrência foi no dia 23 de novembro. Imagens de câmeras de monitoramento registraram o momento do crime. José Carlos se apresentou dias depois e está preso temporariamente por tentativa de homicídio e injúria racial. A arma utilizada no crime, segundo a prefeitura, não pertence à Guarda Civil Municipal.
Guarda joga casca de banana na frente de casa de jovem negro antes de atirar contra ele
Imagens de câmera de monitoramento
Agora confortável e seguro, Pedro recebe a atenção do pai. Jefferson Luis Azpiliqueta também passou por dias difíceis desde o episódio vivido pelo rapaz. “O que interessa é meu filho estando bem aqui. Isso que alegra nosso coração. É o que eu sempre digo para o meu filho: cada um dá aquilo que tem. Se você tem amor, tem bondade, tem carinho, você dá isso para as pessoas”.
“Se você não tem, se você tem ódio, tem rancor, tem racismo dentro de você, é isso que você vai dar pra sociedade”.
Reclamações recorrentes
Uma tragédia que, para a família, era anunciada. Jefferson já tinha registrado reclamações formais contra o guarda. No dia 4 de junho de 2018, relatou à corregedoria da Guarda Municipal que José Carlos tinha apontado uma arma pra ele depois de uma discussão. Três meses depois, formalizou mais uma denúncia.
Dessa vez o GCM teria feito gestos obscenos para a esposa de Jefferson e chegou a ficar nu. “Se tivesse dado atenção e tivesse investigado melhor, teriam visto que ele é uma pessoa que faz o mal. Ele é perigoso pra sociedade. Infelizmente, como ele é nosso vizinho de muro aqui, o mal vem direto pra gente”.
Guarda municipal atira contra vizinho negro em Mogi das Cruzes
Apoio
Além dos pais, Pedro também tem recebido apoio de amigos da vizinhança. “Me fortalece. É uma coisa que me anima para prosseguir. Sei que são pessoas que querem meu bem, que estão ao meu lado dando apoio. Uma coisa que me ajuda a seguir em frente”, comenta o rapaz.
O vizinho Antônio Joaquim da Silva, que ajudou a prestar socorro no dia do crime, faz questão de estar por perto. “Vim dar um abraço nele porque a gente sempre se deu bem. Graças a Deus, ele é como se fosse da família pra mim, eu tenho essa consideração. Graças a Deus eu estava perto e conseguir fazer algo pela saúde dele”.
Pedro Azpilicueta trabalha em seu próprio pet shop em Mogi das Cruzes
Arquivo pessoal
Ulisses Torquato é o outro vizinho de muro da família e está ansioso pra ver Pedro voltar ao trabalho. “O Pedro é um encantador e cantador. Ele trabalha lavando os cachorrinhos e cantando. Eu moro na casa do lado e eu me alegro pela felicidade dele cantar, trabalhar”, afirma o homem.
“Esses são os verdadeiros vizinhos. São pessoas que a gente precisando eles estão ali pra nos ajudar. Eles precisando da gente é a mesma coisa”, destaca Jefferson Azpilicueta.
Outro lado
A esposa de José Carlos de Oliveira, Maria Aparecida de Oliveira, mandou um vídeo defendendo o marido. Ela afirma que Pedro costumava provocá-los. “Eles sempre provocaram a gente. Sempre teve provocação. Desde quando a gente mudou. Eu me mudei em 2011 e não foi em 2015. Sempre teve isso. Tive que aumentar meu muro, fazer um muro de 12 metros pra não ter convivência com eles, para não ter relação nenhuma com eles”, diz.
“Mesmo assim, eles sempre provocaram, jogavam bombinha em cima do telhado, apedrejavam a casa. Sempre foi provocações em cima de provocações. Jogavam lixo na minha porta. Os amigos do menino estacionavam em frente da porta. Vendo que estava uma placa lá: "proibido estacionar", eles mesmo assim estacionavam. A gente não conseguia sair com o carro e quando pedia para tirar, sempre tinham aquelas provocações”, disse.
Questionado sobre as acusações, o advogado de Pedro disse que a estratégia da esposa do guarda é de tentar diminuir a pena do acusado.
O que diz a Prefeitura
A Prefeitura de Mogi das Cruzes informou, por meio de nota, que o prazo para a conclusão do processo administrativo que investiga a conduta do GCM é de 60 dias, prorrogável por mais 60.
Ressaltou, porém, que tem tratado o caso com prioridade. A administração municipal esclareceu que o agente estava licenciado do trabalho e que não fazia parte das equipes que utilizam arma de fogo no exercício das funções. Além disso, afirmou que não compactua com desvios de conduta.
A administração municipal disse ainda que, na época das denúncias, fez o acompanhamento da família, indo à delegacia e se colocando à disposição.
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