O governador Tarciso de Freitas depois da sua posse estabeleceu como meta prioritária de seu governo a privatização SABESP.
Cabe recordar que durante o processo eleitoral negou terminantemente que tomaria esta decisão. Pode-se até aceitar esta espécie de estelionato eleitoral como uma prática comum de nossos políticos. No entanto o que não se pode aceitar e a forma antidemocrática como o processo de privatização da Sabesp vem sendo realizado.
Em primeiro lugar devido ao fato que a decisão monocrática do Governador foi tomada sem antes proceder uma ampla consulta popular sob a forma de um plebiscito como parece ser a prática observada em muitos países da América Latina. Além disso o processo implica numa distribuição desigual dos benefícios. De fato, a privatização que está sendo levada a cabo se concentra na universalização dos serviços apenas dos municípios da área de concessão da empresa e concede subsídios diretos com recursos do tesouro estadual somente para os usuários dos municípios operados pelas SABESP.
A falta de equidade para com os municípios autônomos não atendidos pela empresa seja pelo impedimento ao acesso a recursos financeiros para financiar os investimentos necessários universalização seja pela falta de alocação de subsídio diretos orçamentários para a população vulnerável destes municípios caracteriza-se como uma injustiça social. É essencial considerar as implicações da privatização em termos de equidade no acesso aos serviços de saneamento.
Por outro lado, do ponto de vista da sua legalidade tudo indica que o processo não está aderindo aos dispositivos da Constituição Federal em relação à titularidade municipal, especialmente no que diz respeito à composição dos conselhos das unidades regionais. Da forma como foi estabelecido por um decreto estadual, a participação dos municípios nos conselhos das unidades regionais é minoritária não tendo sido respeitada sua representatividade de titular dos serviços de forma igualitária no exercício de uma gestão compartilhada.
No Conselho da URAE 1 o poder de voto do Estado de São Paulo somado ao poder de voto apenas do município de São Paulo alcança a maioria suficiente para impor de forma autoritária as decisões do governo estadual. Além disso o processo viola claramente a constituição estadual quando ignora o impedimento previsto para a transferência do controle acionário das empresas públicas do setor de saneamento no estado de São Paulo para o setor privado. Essas questões levantam preocupações sobre a conformidade do processo com relação as leis e regulamentos vigentes.
Apesar de todos estes aspectos o fato que chama mais atenção no desenvolvimento do processo é a velocidade com que ele vem sendo executado. Foram contratados de forma expedita sem licitação pública os estudos de preparação sendo fixados prazos materiais extremamente apertados de forma que fosse concluído antes do impedimento do processo eleitoral. Em função desta diretriz o processo de participação social está sendo feito de uma forma inaceitável pela sociedade. As consultas e audiências públicas são marcadas de forma estratégicas no decorrer de feriados prolongados e com curto espaço de tempo para realizar as manifestações. Se trata, portanto, de um procedimento realizado apenas para cumprir o ritual sem possibilitar uma efetiva participação da sociedade civil.
Por outro lado, o contrato de concessão regional com anexos descritivos da situação de cada município e suas metas parece ter sido elaborado de forma apressada uma vez que contém clausulas bastante genéricas e sua matriz de risco é muito limitada. Contudo na questão regulatória são feitas alterações que afetam de forma bastante profunda o regime regulatório implementado com sucesso pela ARSESP há mais de uma década. A principal delas é mudar totalmente a visão do regulador no momento de estabelecer a tarifa média que irá vigorar durante o ciclo tarifário.
Atualmente a ARSESP para definir esta tarifa considera um plano de negócios para os próximos quatro anos de operação. Este plano contém as metas e os meios necessários para alcançá-las, ou seja, programa específicos de investimentos bem como os gasto em gerir a operação.
Com base neste plano a agência verifica se os investimentos foram dimensionados de forma prudente e se os gastos de funcionamento contêm ineficiências que não devem ser pagas pelo consumidor. De acordo com a minuta de contrato esta visão do futuro para fixação de tarifas será totalmente abandonada por uma visão voltada para o passado. Nesta nova forma de abordagem as tarifas serão fixadas anualmente de forma ex-post, ou seja, com base nos gastos de funcionamento do ano anterior e nos investimentos que foram realizados.
Assim sendo a análise da prudência dos investimentos, a verificação da adequação das despesas de funcionamento não poderá mais ser realizada o que gera um risco muito alto da agência assumir o papel de apenas repassar investimentos superdimensionados e gastos ineficientes de funcionamento afetando de forma negativa a modicidade tarifaria que hoje está sendo observada.
Também causa preocupação a decisão de realizar revisões tarifarias de forma anual nos dois primeiros ciclos tarifários do contrato regional. As autoridades não conseguem apresentar uma justificativa solida para esta diretriz contratual. O que parece estar por trás da mesma é a preocupação do governo com o repasse dos investimentos para a tarifa final da prestação dos serviços que pode gerar aumentos tarifários elevados que certamente serão objetos de protestos por parte dos usuários.
A probabilidade da ocorrência deste evento é alta devido aos seguintes aspectos:
(i) metas excessivamente ambiciosas que foram estabelecidas inclusive com a antecipação de quatro anos da universalização dos serviços que resultam em investimentos anuais que iniciam em 2024 no patamar de 6 bilhões de reais alcançado em 2029 o nível de13bilhões de reais. Vale lembrar que a capacidade de investimento da SABESP atualmente gira em torno de 5 bilhões anuais;
(ii) a necessidade de aportar subsídios diretos por meios de recursos orçamentários para evitar aumentos tarifários na tarifa inicial e manter a mesma em níveis que sejam aceitáveis pelos usuários durante a execução do contrato.
(iii) a obrigação de prover recursos para o cumprimento da implementação da nova estrutura tarifaria da SABESP incluindo concessão do benefício da tarifa social para mais de um milhão de ligações.
E possível que a modelagem financeira realizada tenha indicado que seria mais prudente realizar ajustes anuais do que fixar uma tarifa média que deva vigorar durante o ciclo tarifário como é feito pelo regime tarifário atualmente em vigor. Tudo indica que esta prudência se adequa a mitigação de riscos para os investidores mais do que proteger a população de um possível encarecimento da prestação dos serviços. Diante de todos os fatos alinhados anteriormente consideramos que o processo de privatização da SABESP além de antidemocrático, injusto também carece de legitimidade. Assim sendo é dever de todo o cidadão de bem deste estado lutar para reverter esta decisão monocrática absurda de nosso governador.
Hugo Sérgio de Oliveira, economista, participa do Conselho da FIESP, foi o primeiro presidente da ARSESP, superintendente da Sabesp, gerente de operações do BID.