Mulheres ainda recebem 20% menos do que homens e ocupam menos cargos de alta liderança. Mais da metade das companhias com ações negociadas em bolsa no Brasil ainda não possuíam nenhuma mulher em cargos da diretoria estatutária em 2023. Partes dos principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, as questões de diversidade e igualdade de gênero no mundo corporativo continuam a caminhar lentamente.
Mesmo com estudos que já mostram que empresas com um quadro de funcionários mais diverso tendem a superar seus pares em práticas de negócio, a maioria das companhias ainda não conseguiu atingir níveis de equidade entre homens e mulheres — principalmente no que diz respeito à presença feminina em altos cargos de liderança.
Dados da B3 indicam que mais da metade (55%) das companhias com ações negociadas em bolsa no Brasil ainda não possuíam nenhuma mulher em cargos da diretoria estatutária até o ano passado. Houve melhora sensível em comparação a 2022 (61%).
Além disso, mais de um terço dessas empresas (36%) não tinham participação feminina no conselho de administração em 2023. A evolução nesse caso é ainda menos expressiva: 37% no ano anterior.
Foram avaliadas 343 empresas no levantamento, uma amostra significativa de um problema que se espalha por todo o mercado de trabalho.
Nesta reportagem, você vai entender:
Quais são os efeitos práticos da diversidade de gênero no resultado das empresas?
Como está esse cenário no Brasil?
A situação da mulher negra no mercado de trabalho
Quais desafios ainda existem à frente?
Desemprego cai a 7,8% no trimestre terminado em agosto, diz IBGE
Quais são os efeitos práticos da diversidade de gênero no resultado das empresas?
Além do maior desenvolvimento da governança — com ambientes de trabalho mais inovadores, colaborativos e com maior retenção de talentos —, a leitura é que companhias que adotam iniciativas de igualdade de gênero também costumam sentir a diferença nos resultados corporativos.
O levantamento mais recente feito pela McKinsey, de 2020, por exemplo, indica que, dentre as empresas com maior diversidade de gênero, 55% entregaram resultados operacionais ou EBITDA (sigla em inglês para lucro antes de juros, tributos, depreciação e amortização) acima da média da indústria. No caso de empresas não diversas, esse percentual cai para 29% do total.
"Uma organização mais diversa diminui os riscos e cria oportunidades de negócio, na medida em que você tem pessoas trabalhando com pontos de vistas e histórias diferentes, e conseguem, assim, criar uma gama de serviços mais ampla e que atendem mais clientes", afirma a vice-presidente de pessoas, marketing, comunicação, sustentabilidade e investimento social da B3, Ana Buchaim.
Ana Buchaim, vice-presidente de pessoas, marketing, comunicação, sustentabilidade e investimento social da B3
Cauê Diniz/ B3
Ainda existem relatos de que uma maior inserção de mulheres em mercados com atuação predominantemente masculina promove evolução nos processos de trabalho, nas ações dos trabalhadores e até mesmo nas ferramentas utilizadas.
Segundo a superintendente de desenvolvimento organizacional e cultura da Neoenergia, Régia Barbosa, a companhia sentiu uma mudança nas demandas dos trabalhadores depois de promover iniciativas de inclusão de mulheres, e precisou atualizar processos e ferramentas para se adequar à nova realidade.
"Quando trazemos uma mulher para dentro da equipe de eletricistas, por exemplo, precisamos pensar que luvas e botas precisam ser menores. Nem o aro do sutiã pode existir porque ele é um condutor [de energia]", diz.
"Uma mulher não consegue levantar um poste, mas isso também nos faz pensar em como melhorar as condições de trabalho para que todos possam contribuir da mesma forma e trazer melhoras ainda mais significativas para a nossa produtividade. É preciso olhar o mundo como ele é e não apenas do jeito que estamos acostumados", diz a executiva.
Tanto a B3 quanto a Neoenergia possuem três ou mais mulheres no conselho de administração e na diretoria estatutária, além de trabalharem ativamente para promover a formação de mulheres em suas áreas relacionadas e treiná-las para atingir cargos maiores de liderança.
Como está esse cenário no Brasil?
Apesar de os esforços em aumentar a inclusão e equidade de gênero ao redor do planeta estarem melhorado a percepção entre os funcionários de grupos historicamente sub-representados, essa ainda parece uma realidade distante por aqui.
Uma pesquisa feita pelo Infojobs e cedida com exclusividade ao g1 aponta que 78% das participantes acreditam que, no Brasil, as mulheres precisam ser mais qualificadas para conseguirem assumir cargos de liderança em relação aos homens.
Ainda segundo o levantamento, sete em cada 10 mulheres afirmam que já perderam uma oportunidade de emprego apenas por serem mulheres.
Além disso, 77% das participantes inseridas no mercado de trabalho acreditam que homens e mulheres não possuem as mesmas oportunidades, enquanto 69% afirmam que já passaram por uma situação em que sua credibilidade foi questionada apenas por serem mulheres.
Entre os principais desafios enfrentados pelas mulheres brasileiras no mercado de trabalho estão:
27% - conquistar uma oportunidade de emprego;
26% - dificuldade para conquistar reconhecimento e crescer profissionalmente;
18% - machismo presente na cultura das empresas;
16% - dificuldade para conciliar a vida profissional com a pessoal;
13% - não enfrentam grandes dificuldades.
Segundo a sócia e diretora de educação corporativa, comercial, regionais e de comunicação da Mais Diversidade, Amanda Aragão, há um conceito sobre o tema chamado "teto de vidro".
O conceito indica que apesar de teoricamente não existir uma barreira objetiva que impeça o crescimento da mulher dentro da empresa, ainda há uma espécie de limite "invisível".
"Na prática, cerca de 37% das mulheres ainda estão em posições de coordenação e gerência. E quando passamos para a alta liderança, esse percentual cai para menos de 20% em algumas medições", diz Aragão.
"Entramos em um aspecto que quanto menos mulheres em posições de alta liderança, menos vemos mulheres recebendo oportunidades de estar lá. E o contrário também funciona: quanto mais mulheres líderes, maior a presença feminina em cargos maiores", completa a executiva.
Na questão salarial, o cenário no Brasil também deixa a desejar. De acordo com a pesquisa do Infojobs, 88% das respondentes acreditam que existe desigualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho, enquanto mais da metade (54%) afirma que já atuou exercendo as mesmas funções que um colega homem, ganhando menos.
E os dados são corroborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): dados divulgados nesta sexta-feira (8) apontaram que, mesmo mais escolarizadas, as mulheres ainda ganham cerca de 21% menos do que homens: R$ 2.303 contra R$ 2.920.
Os números são esses mesmo em um país com maioria feminina na população. Dados do Censo de 2022 do IBGE mostram que as mulheres representam 51,48% da população brasileira total.
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A situação da mulher negra no mercado de trabalho
Se o quadro já mostra um cenário pior em termos salariais para mulheres em relação aos homens, esse percentual se agrava ainda mais quando considerados recortes de sexo e cor da pele.
Um levantamento feito pelo Pacto de Promoção da Equidade Salarial de 2022 indicou que mulheres negras têm os menores salários médios quando considerados os quatro grupos formados por recorte de sexo e cor (que contam ainda com homens pretos, mulheres brancas e homens brancos).
E os números são novamente corroborados pelo IBGE: no levantamento desta sexta-feira, as mulheres pretas ou pardas (R$ 1.781) ganham 37,7% menos do que mulheres brancas (R$ 2.858). Já quando considerados homens brancos (R$ 3.793), essa diferença sobe para 53%.
"Nós [mulheres negras ou pardas] estamos congeladas em posições de analistas em diversos setores da economia há muito tempo. Quando olhamos para cargos de liderança, não chegamos nem a 1% nas posições de CEO, por exemplo. Nas posições de gerência, esse percentual fica entre 5% e 6%", afirma Ednalva Moura, gerente de relações institucionais do Pacto de Promoção da Equidade Racial e do Programa Pacto Transforma.
Quais desafios ainda existem à frente?
Apesar de um avanço visível na inclusão e igualdade de gênero no mercado de trabalho nos últimos anos, o caminho à frente ainda é longo.
Segundo Amanda Aragão, da Mais Diversidade, muitas empresas ainda ignoram o problema de disparidades salariais e desigualdade de gênero e até se beneficiam da situação para obter ganhos operacionais com um custo efetivo menor.
Na prática, isso significa que as empresas até contratam mais mulheres, mas costumam pagar salários menores em comparação ao que paga para homens que estejam em funções semelhantes.
"[Se a empresa faz isso], ela só está perpetuando a desigualdade. É necessário ter um bom trabalho de cultura, de definição salarial e de treinamento para que a decisão [de contratação] considere não apenas a dimensão do negócio, mas a dimensão social também", diz Aragão.
Já de acordo com Ana Buchaim, da B3, além da necessidade de melhores medições e de maior transparência em relação aos dados de empregabilidade das mulheres dentro das companhias, é preciso que as empresas ativamente saiam do que ela chama de "desculpas verdadeiras".
Ela dá como exemplo empresas que atuam em mercados predominantemente masculinos e que comumente usam a falta de mulheres formadas nessas áreas para justificar a baixa presença feminina no quadro de funcionários.
"Isso não pode ser um argumento para não ter mulheres dentro da organização. Se isso acontece, então a empresa precisa ir à base, e avaliar como pode ajudar na formação e na migração de mulheres para essas cadeiras", explica Buchaim.
"Além disso, você também passa a questionar a premissa de que algumas mulheres precisam ter passado por certos tipos de faculdade para conseguirem entregar determinada performance. Somente quando começarmos a mudar essas premissas de contratação é que começaremos a ter resultados diferentes", acrescenta a vice-presidente da B3.
Régia Barbosa, da Neoenergia, ressalta que esses são ações frequentes dentro da companhia, que promove desde turmas femininas para formação de eletricistas e relacionamentos com instituições de ensino – como faculdades e escolas de segundo grau — para atrair mulheres para a área.
Na área de seleção, há até iniciativas que incentivam mulheres a se candidatarem para projetos estratégicos de interesse. Ela comenta, no entanto, que a luta contra o machismo estrutural segue sendo o maior desafio.
"É preciso ter, dentro de casa, líderes de operação que se posicionem e façam todo o trabalho de engajamento masculino para [diminuir o machismo estrutural dentro da companhia]", diz, acrescentando que ainda existem homens que não sabem como se posicionar e aderir a esse posicionamento.
Já especificamente sobre as mulheres negras, a leitura das especialistas é que o mercado de trabalho segue ainda mais atrasado, lutando contra o racismo estrutural que existe no país.
"A herança do racismo ainda é muto presente. Alguns falam de vieses inconscientes, mas são conscientes, sim. Porque as pessoas sabem o que estão fazendo quando te colocam em xeque [pela cor da sua pele] ou te questionam se está habilitado para atuar nessa área ou se você é a pessoa responsável por aquela demanda", afirma Moura, do Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Ela reforça, ainda, a necessidade de continuidade do letramento racial no país e destaca a importância da diversidade na evolução econômica do país.
Isso porque, segundo a executiva, quanto mais grupos diversos a empresa tem representados na liderança, mais ela desenvolve seu próprio negócio e incentiva mudanças que mexem com todo o ecossistema, "cascateando" os benefícios disso dentro da sociedade.
"Precisamos parar esse ciclo de que por ser pobre, por ser preta, por ser mãe, ela não pode acessar alguns lugares. Já temos um grupo de mulheres e executivas negras que segue evoluindo e inspirando outras pessoas, inspirando jovens a seguirem seus sonhos", diz.
"É preciso romper com a visão limitada de que não vai dar [pra alcançar posições melhores no mercado de trabalho]. Vai dar. O céu é o nosso limite", completa.