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Levantamento feito com dados do Sisvan considera faixa dos 0 a 5 anos de idade. De acordo com especialista, balanço aponta sinal de desnutrição e acende alerta para importância das políticas de combate à fome. Merenda escolar em escolas públicas; especialista explica que Programa de Alimentação Escolar é importante no combate à fomeTV Globo/ ReproduçãoAo longo de 2022, a rede pública de saúde do Alto Tietê identificou 723 crianças de até 5 anos com peso abaixo ou muito abaixo do ideal para idade. A informação foi apurada pelo g1 com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) do Ministério da Saúde.Embora represente apenas 2,65% dos mais de 27 mil atendidos nesta faixa etária, o índice é o maior em 10 anos. Além disso, o levantamento mostra que a alta já era notada desde 2021, em meio à pandemia da Covid-19 (confira o gráfico abaixo).Os dados foram coletados a partir de atendimentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nos domicílios e em atividades desenvolvidas nos equipamentos que integram o Sisvan. O balanço permite o monitoramento e a avaliação nutricional e alimentar da população brasileira.Nestes casos, os registros de peso fora do ideal podem ser considerados um sinal de desnutrição. Segundo o Ministério da Saúde, o termo é usado para se referir à pessoa que apresenta nutrição insuficiente ou deficitária, seja na quantidade ou na qualidade. “Na infância, a desnutrição é avaliada inicialmente pelas medidas antropométricas e seus indicadores expressam condições nutricionais como magreza ou baixa estatura, os quais são comprometimentos nutricionais de diferentes dimensões que precisam ser adequadamente interpretados”.De 2020 a 2021 o número de crianças com peso abaixo do ideal cresceu 22,4%. Neste mesmo período, apenas quatro municípios haviam registrado aumento. Já de 2021 a 2022, a elevação foi de 21%, sendo que apenas dois tiveram redução.Se considerado apenas o total de crianças com peso baixo, que era 536, o aumento chegou a 38,5% em um ano. Nas que tiveram peso muito baixo a diferença para o ano passado foi menor, de apenas 1,6%, chegando a 187 registros nas 10 cidades da região.Crianças de até 5 anos com peso abaixo ou muito abaixo do idealNos casos mais extremos, os pacientes com desnutrição podem ser hospitalizados. Uma situação que foi relatada pelas cidades de Itaquaquecetuba e Mogi das Cruzes. Juntas, tiveram oito casos de internação em decorrência do estado nutricional de crianças nessa faixa, segundo informações enviadas pelas prefeituras.O Ministério da Saúde ressalta que todos os serviços da rede estão aptos a prestar assistência às crianças com desnutrição. "As estratégias de intervenções dietéticas e de suplementação de vitaminas e minerais devem ser realizadas de acordo com o diagnóstico nutricional e as políticas públicas nacionais".Veja o que as cidades disseram sobre o assunto:ArujáA Organização Social (OS), que administra a Maternidade Dalila Ferreira Barbosa e os pronto-atendimentos Central e do Barreto, não dispõem de dados específicos sobre a internação de crianças em decorrência de quadros de peso baixo ou muito abaixo do ideal.No entanto, a Secretaria Municipal de Saúde informa que faz acompanhamento da desnutrição infantil. No município é realizado pelos nutricionistas das unidades de saúde e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) de Arujá.Também é feito o acompanhamento pelas escolas municipais por meio do Programa Mais Saúde nas Escolas. O protocolo conta com anamnese nutricional, tirada das medidas antropométricas (peso e altura), avaliação nutricional, diagnóstico de intervenção nutricional e elaboração de plano de nutrição.Ferraz de VasconcelosA Prefeitura informou que não teve registros no último ano e que até o momento não houve nenhum caso de encaminhamento para o Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos com a referida demanda.GuararemaA cidade também informou que não tem registro de internação por desnutrição em 2021 ou 2022.ItaquaquecetubaA Secretaria Municipal de Saúde informou que em 2021 sete crianças foram internadas por desnutrição. Em 2022 o número caiu para seis. A cidade diz que não conta com protocolos específicos, mas que realiza o acompanhamento das condicionalidades de saúde das famílias em situação de maior vulnerabilidade por meio de exames de peso e altura, por exemplo.Já o Departamento de Nutrição Escolar da Secretaria de Educação atua na avaliação de peso e altura anual em cada criança estabelecido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e surgindo algum caso de baixo peso/desnutrição, é encaminhado para a Secretaria de Saúde para acompanhamento.Mogi das CruzesA Secretaria Municipal de Saúde informa que o Hospital Municipal de Mogi das Cruzes registrou, no período analisado, duas internações de crianças por desnutrição. No entanto, ressalta que foram casos específicos: uma criança portadora com uma síndrome e uma criança vítima de maus-tratos. A pasta não possui dados referentes a eventuais internações realizadas em outros hospitais da cidade.A secretaria ressaltou ainda que os casos clínicos de desnutrição “são acompanhados por meio das consultas de rotina em pediatria, indicadas para todos os bebês desde o nascimento, onde os casos de baixo peso são monitorados e tratados com sucesso”. Há, ainda, algumas iniciativas que, ao longo dos anos, vêm contribuindo para prevenir a desnutrição infantil, de acordo com a administração municipal.“É o caso do Banco de Leite Humano, que incentiva e orienta as mães para o aleitamento materno e também contribui para alimentar recém-nascidos prematuros por meio das doações. Outra ação é o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, voltado para crianças com idade entre 18 meses e 5 anos incompletos (4 anos, 11 meses e 29 dias) que recebem uma dose da vitamina a cada seis meses”.SuzanoA Secretaria de Saúde de Suzano explica que crianças identificadas durante atendimentos com baixo peso são encaminhadas para avaliação nutricional, a partir do qual pode ser feito tratamento com base em complemento alimentar lácteo, disponível nas farmácias de alto custo.No entanto, a pasta ressalta que não foram registradas internações na Santa Casa de Misericórdia da cidade nem encaminhamentos para unidades hospitalares estaduais de referência nos dois últimos anos de pacientes de até 5 anos.Insegurança alimentarA nutricionista Beatriz Silva Nunes, mestranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que o registro de pacientes com peso abaixo do ideal para a idade é um sinal de desnutrição aguda, provocada por um déficit pontual na alimentação. Já nos casos em que a estatura também é prejudicada, caracteriza-se a desnutrição crônica.Ambas podem surgir como reflexos indiretos da pandemia da Covid-19, quando a renda de muitas famílias caiu e atingiu um direito básico: o de se alimentar. “Esses altos índices que a gente está vendo de insegurança alimentar, 33 milhões de pessoas voltando a uma insegurança grave, que a gente chama de fome, vai afetar esse baixo peso com certeza”, diz.“Vários estudos apontam que quando a desnutrição chega na criança, a família já está em uma situação de insegurança alimentar muito grande. Uma desnutrição, uma vulnerabilidade alta, pra chegar à criança numa desnutrição”, destaca a especialista.No entanto, para além da pandemia, Beatriz lembra que as ações de combate à fome já vinham perdendo a força nos últimos anos. Ela ressalta que é importante que as autoridades olhem para a história, quando o Brasil viveu e combateu este cenário, e tome as próprias experiências como receita para enfrentar o problema mais uma vez.“Esse desmonte das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional está acontecendo desde 2018. Teve a extinção, em 2018, do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Isso foi bem marcante na área da nutrição. Extinguiu também o Ministério de Desenvolvimento Social e combate à fome em 2019”, lembra.“É importante a gente pensar que a gente já conseguiu combater a fome no Brasil e desnutrição. Isso é um aspecto que, na minha opinião, é muito importante. A gente vê nos estudos falando sobre isso, sobre o que deu certo. É continuar e voltar essas políticas que deram certo”.Combatendo a fome e a desnutrição infantilBeatriz também elencou o que os estudiosos apontam como as principais ferramentas de combate a fome no Brasil. Estratégias que foram fundamentais nos anos 1990 e que precisam ganhar força novamente diante desta nova crise.Renda: “[Uma das ações é] melhorar o poder aquisitivo das famílias. Isso a gente vai fazer de algumas formas, [como] voltar a ter o salário mínimo ajustado pela inflação para poder melhorar esse poder aquisitivo, para poderem comprar esses alimentos”.Empregabilidade: “[É preciso] investir numa menor taxa de desemprego, porque a gente sabe que o desemprego aumentou no Brasil e isso está sendo refletido em diversos parâmetros. Além disso, expansão dos programas de alimentação e nutrição”.Políticas de alimentação: “Volta do Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], volta de ministérios que vão combater fome a insegurança alimentar no Brasil. Que vão olhar e falar: ela é real, ela é existe e eu consigo criar políticas públicas para o combate dessa situação tão trágica”.Alimentação nas escolas: “Outro aspecto que é muito importante é ter mais vagas de creche para essas crianças. Tem um programa que se chama PNAE, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que é muito importante no combate à desnutrição e a todas as formas de má nutrição”, pontua. “Ele vai propiciar alimentos e não só alimentos: uma alimentação adequada, balanceada, baseada em alimentos in natura. Essa política é muito importante, está dentro das creches municipais, estaduais. A gente consegue, dentro dela, combater a desnutrição, e o sobrepeso, o excesso de peso, através da alimentação saudável”.Garantir que as famílias estejam em segurança impacta diretamente na nutrição das crianças. Além disso, a nutricionista afirma que as políticas eficientes de combate à fome são eficientes não apenas no agora, como também no futuro.“Os ambientes, quando eles estão afetados, modificados para proporcionar um ambiente melhor, isso é uma mudança a longo prazo ou até perpétua. Por exemplo, o saneamento básico, a gente não vai tirar a água encanada mais. Ela está lá. Isso já vai ajudar com que as crianças não tenham problema de desnutrição ou piorem”.Assista a mais notícias sobre o Alto Tietê