Documentos da unidade de saúde apontavam que gestante teria tido "ameaça de aborto" e "abortamento tardio". Santa Casa de Mogi disse que não tem como opinar, por se tratar de conduta médica. Prédio da maternidade municipal foi reformada, mas segue sem funcionamento. Polícia investiga morte de bebê que nasceu em terminal rodoviário em Mogi das Cruzes
A Polícia Civil vai investigar a morte de um bebê em Mogi das Cruzes que, segundo a mãe, nasceu em um terminal rodoviário da cidade minutos depois de ela ter sido atendida na Santa Casa do município.
Grávida de 19 semanas, Rafaela Garcia Silvestre precisou buscar atendimento na Santa Casa de Mogi das Cruzes depois de sentir muitas dores.
"Quando a médica fez o exame físico em mim ela viu que eu estava com o colo do útero aberto e estava com um dedo de dilatação. Então, ela achou melhor me internar, porque ela ficou com medo de eu entrar em trabalho de parto. E ela me internou e eu fiquei quatro dias internada lá. Foram todos super atenciosos comigo, muito empáticos. Todos os dias os médicos passavam lá no quarto, conversavam comigo. No primeiro atendimento em questão eu não tenho o que reclamar".
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Santa Casa de Mogi das Cruzes
TV Diário/Reprodução
No prontuário de atendimento de fevereiro consta que a paciente já tinha tido quatro abortos espontâneos e informou ter epilepsia. Rafaela ficou internada na unidade de saúde entre os dias 22 e 26 de fevereiro.
No momento da alta, o possível diagnóstico era de "ameaça de aborto". A paciente foi orientada a seguir em repouso, em abstinência sexual e tomar "Utrogestan", um medicamento que previne o aborto.
Menos de uma semana depois, a jovem de 27 anos teve que voltar ao hospital. Dessa vez, ela foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) porque teve um sangramento em casa.
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Dessa ida ao hospital, Rafaela teve acesso somente à ficha de atendimento da consulta. No documento consta o caráter de urgência do caso por "perda líquida vaginal associado a sangramento vaginal". O médico Manoel Messias de Oliveira Filho apontou como diagnóstico um "abortamento tardio", seguido com pontos de interrogação e solicitou um ultrassom urgente.
"Quando chegou lá na sala do ultrassom, eu fiz, estava tudo perfeito. Os batimentos estavam presentes, os movimentos vitais também estavam presentes. O útero constava grávido, estava tudo perfeito. Fiz o ultrassom e voltei pra sala de medicação pra terminar o soro que o doutor Manoel tinha pedido pra fazer, fazer o soro com algumas medicações. Aí chegando lá, quando eu estava terminando de tomar o soro, chegou o doutor Gilberto Ginger. Ele chegou com o meu ultrassom na mão e falou bem assim: 'olha, eu não vou te internar eu vou te mandar pra casa com medicação pra você tomar em casa, com medicamento pra contração'".
Depois dos exames constatarem que o bebê, de 20 semanas, estava vivo, e mesmo ainda com dores e sangramento, Rafaela conta que recebeu alta médica. Dessa vez, diferente do atendimento recebido em fevereiro, ela não teve acesso ao resumo de alta, em que consta os procedimentos realizados, os resultados e as prescrições. Foi aí que aconteceu o que ela mais temia.
"Mal conseguia andar. Meu marido foi me arrastando até o Terminal Estudantes, mas quando chegou lá eu já não estava mais aguentando andar. Foi quando eu sentei em frente ao vestiário. Quando eu sentei no vestiário, só senti aquela pressão. Quando senti aquela pressão, eu falei pro meu marido: 'nasceu'. Aí quando eu tirei a fralda, porque eu estava de fralda, por causa do sangramento, o bebê virou assim no chão, só que aí quando eu pedi pro meu marido pegar um paninho pra enrolar ele no meio das minhas coisas, quando eu peguei ele só senti ele fazendo isso [barulho de suspiro]. Quando ele fez isso, ele não voltou mais".
Rafaela voltou para a Santa Casa e um novo número de atendimento foi aberto, pouco tempo depois das 19h. O documento descreve que a paciente precisou ficar internada para fazer a curetagem e expelir a placenta.
Casos parecidos
Infelizmente, casos como o de Rafaela não são isolados. A Santa Casa de Mogi tem sido alvo de reclamações sobre demora no atendimento das gestantes. Inclusive, um caso de aborto que aconteceu na unidade estão em investigação.
O processo levou à prisão o diretor clínico da unidade, em 19 de fevereiro. Massimo Colombini Neto responde por aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante. Segundo o boletim de ocorrência, ele barrava as internações. O médico foi solto, mas afastado do cargo.
A Câmara de Vereadores de Mogi, por meio da Comissão de Saúde, tem acompanhado o caso. Inclusive, um dado que chamou a atenção da presidente da comissão é a taxa de mortalidade infantil na cidade.
"O último dado do DataSus demonstra que Mogi das Cruzes tem uma taxa de 12.98. Aumentou referente ao ano anterior. Então, a gente tem uma média de 13 óbitos infantis pra cada mil nascidos, isso é muito preocupante", disse a vereadora Maria Luiza Fernandes (Solidariedade).
Maternidade municipal de Mogi das Cruzes passou por reforma, que já foi concluída, mas ainda não está em funcionamento
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Outro ponto que a Câmara tem acompanhado é o prédio da Maternidade Municipal, que foi reformado para receber o equipamento, mas até hoje não funciona. Segundo a vereadora, a intenção é transferir as instalações da Santa Casa para o novo prédio.
"Quando a gente fala de maternidade, essa é uma responsabilidade do governo do estado. A gestão municipal decidiu por criar um prédio próprio, mas hoje a gente precisa pensar também na forma de equipar essa maternidade e também de financiar todo o custo que tem ali de operação", finalizou a vereadora.
O que diz a Prefeitura e a Santa Casa
O Diário TV procurou a Santa Casa, mas o hospital disse que não tem como opinar, por se tratar de conduta médica. A Prefeitura de Mogi das Cruzes destacou que o custeio mensal do funcionamento da maternidade de Brás Cubas é de R$ 5,5 milhões, um valor impraticável para o município.
A administração do município disse ainda que a alternativa seria um repasse do governo do estado, que, por sua vez, tem como proposta a regionalização dos serviços. Sobre esta proposta, a prefeitura disse que segue dialogando com a equipe técnica da Secretaria Estadual de Saúde para definir a melhor alternativa de funcionamento da maternidade municipal. E o estado disse que o pedido de apoio da Prefeitura de Mogi está em processo de tramitação.
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