Jardim São José, em Ferraz de Vasconcelos, e Cidade Miguel Badra, em Suzano, foram bairros afetados por deslizamentos de terra em fevereiro. O geólogo Angelo Silva explica como é classificada uma área de risco e a necessidade de estudos constantes de áreas de risco. Quase 91 mil áreas são consideradas de risco no Alto Tietê
A terra do lado da casa continua molhada e o muro que ainda está em pé está começando a trincar. A lavanderia que estava aos fundos, acabou soterrada após o deslizamento de terra, na Rua Valmir Alves dos Santos, no Jardim São José, em Ferraz de Vasconcelos.
“No dia 29, cedeu o barranco. Um pouco antes, nós fizemos um pedido na prefeitura, um protocolo pra colocação de guia. Eu já tinha um muro há dez anos, em dezembro finalizamos o de fora. Foi feito a colocação das guias e, com três ou quatro dias, a guia trincou. E na chuva que teve ela abriu inteira e cedeu todo o barranco, cedeu todo o muro que tinha feito e o muro de baixo também. Eu só tenho uma porta de entrada e a janela do meu quarto que não tem grade. Então, por isso que, quando chove muito, ou eu levo elas pro meu quarto ou a gente fica dentro do carro, na rua”, disse a auxiliar de enfermagem Raquel Siqueira Grilo da Silva.
Depois do desabamento, a família teve que se adaptar, mas, vive com receio que a outra parte do muro também caia sobre a casa. “Foi pedido uma máquina pra tirar o peso, que tava muito grande, e retirou esse peso da máquina. Só que eles jogaram no final da rua e esse final da rua é a casa da minha irmã, que tá cedendo. As guias que eles colocaram lá em cima, tão todas em cima da casa da minha irmã. E a casa da minha irmã é um pouco mais antiga e tá cedendo, tá descendo. Só que eu recebi papel nenhum, eu não tenho nada notificado no meu nome ou que a minha casa tá interditada. Não, eu não tenho essa notificação. O plástico preto mesmo foi a gente que colocou. Eu tenho a necessidade de mais plástico, porque na última chuva, de anteontem, caiu, então rasgou o plástico que tá e eu ainda não recebi o plástico”.
Chuva provocou deslizamento de terra em Ferraz de Vasconcelos
Reprodução/ TV Diário
Na Viela Nove, na Cidade Miguel Badra, em Suzano, moradores passaram por algo parecido na semana passada. O deslizamento atingiu cinco casas. Por questão de minutos, eles conseguiram se salvar.
“Por volta das 17h começou aquela chuva forte. Aí quando foi 19h, eu tava terminando o meu jantar, meu esposo tava no sofá e eu fui lá fora, no corredor, e percebi que tinha uma rachadura que tava abrindo bastante. Aí eu avisei o meu esposo, ele também percebeu e foi coisa de minutos. Assim que a gente percebeu, começou a descer, descer, descer. Meu pai veio e buscou ela aqui. O vizinho de cima também veio, olhou o chão, foi o tempo dele também subir, resgatar a família dele. E o telhado caiu, foi até uma gravação que eu mandei, e foi o tempo também da gente sair, a gente até passou por uma beiradinha bem pequenininha, pra poder passar. A gente passou, chegou aqui no portão, desceu o morro”, disse a dona de casa Jessica Aparecida Martins Fernandes.
Casa foi interditada depois de deslizamento no Miguel Badra em Suzano
João Belarmino/ TV Diário
A Defesa Civil chegou a derrubar o restante da estrutura e interditar o local. “Na hora não deu pra gente recuperar nada, só deu tempo da gente correr e pegar o cachorro e correr. Mas no dia seguinte, quando a Defesa Civil veio, pelo telhado a gente conseguiu tirar algumas coisas. O vizinho conseguiu tirar também pelo telhado”, contou a dona de casa Brenda Eduarda Fernandes Domingos.
Algumas prefeituras do Alto Tietê dizem que possuem projetos de fiscalização e orientação a pessoas que moram em áreas de risco. Mas na prática, nem todos têm acesso a isso.
“No momento, a gente teve, como posso te dizer, sabedoria, né? Pra conseguir sair, no momento. Mas de outras pessoas não, a única pessoa que ajudou a gente foi só Deus mesmo, porque o resto
ninguém, a Prefeitura, nada não”, explicou Jessica.
E quem vivenciou isso tudo, gostaria apenas de uma solução. “Eu acredito que a prefeita vai fazer, porque ela precisa ser humana, né? E ver a gente, a nossa situação, porque
eu sei que tem muita gente passando por dificuldade e
Prefeita, eu sei que você tá vendo o meu vídeo. Uma obra emergencial, que demora 24 dias, é muito tempo, é muito tempo pra quem tá aqui. Pra gente, já tá sendo já uma eternidade, né?”, desabafou Raquel.
Sobre a reclamação da Raquel, a resposta da Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos foi de que o caso está sendo acompanhado pela desde o dia 1º de fevereiro. A administração da cidade confirmou que a família foi orientada a deixar o imóvel devido ao risco de novo incidente e que seria feita uma avaliação do que era preciso para um contrato emergencial naquela região. No entanto, a nota diz que a intervenção supera a casa de um milhão de reais, o que inviabiliza uma ação imediata.
A administração ressalta que a cidade decretou estado de emergência e está em busca de investimentos dos governos estadual e federal para intervir nas áreas necessárias. que desde sempre a família foi orientada a solicitar a inclusão no programa de auxílio aluguel ou ir para o abrigo organizado pela Prefeitura e reforçou a necessidade da família deixar o local temporariamente, por conta do risco de desabamento da casa.
Já a Prefeitura de Suzano disse que todas as pessoas que vivem no ponto onde houve a ocorrência e ao redor foram orientadas, sim, quanto aos procedimentos necessários neste e em possíveis casos futuros. Inclusive, foi sugerido aos moradores locais que cadastrem seus números de telefone celular na Defesa Civil estadual para receberem via SMS alertas de riscos e informações preventivas relacionadas principalmente à intensidade de chuvas.
Áreas de risco no Alto Tietê
Em 2020, a Secretaria do Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente fez um levantamento sobre as áreas de risco de inundações e ou deslizamentos na região metropolitana de São Paulo e encaminhou para as prefeituras.
No Alto Tietê, Mogi das Cruzes, com um total de 30,7 mil, era a cidade que mais tinha áreas de risco, seguida de Itaquaquecetuba, com 28,5 mil, e Suzano, com 19,8 mil. Em relação às áreas de risco alto ou muito alto, Itaquaquecetuba tinha a maior quantidade, com 7,4 mil, enquanto Suzano contava com 3,9 mil e Mogi com 3,5 mil. Ferraz de Vasconcelos ainda possuía pouco mais de 3 mil áreas de risco alto ou muito alto.
Áreas de risco alto ou muito alto são concentradas em quatro cidades do Alto Tietê
TV Diário/Reprodução
Esses relatórios foram entregues às prefeituras para que elas pudessem fundamentar as políticas públicas. Segundo um dos pesquisadores que participou da elaboração desses documentos, para se chegar à classificação de risco do local são verificados tanto o perigo quanto a vulnerabilidade e que nem sempre os riscos são iminentes, pois dependem de fatores climáticos, como volume de chuva e outros eventos geodinâmicos. No ano passado, g1 também fez um levantamento que apontava que 8.440 famílias vivem em zonas de alerta nos municípios.
Prevenção a desastres
O geólogo Angelo Silva afirma que os estudos técnicos são documentos que indicam características das regiões de risco, mas não são capazes de prever acontecimentos. “É bastante importante e tem uma explicação. Quem tá na frente fazendo o estudo, o levantamento e até o mapeamento de risco ele não tem como prever quando vai ocorrer, mas ele tem como prever a direção preferencial da água e a direção preferencial de onde vai ser canalizado a movimentação do solo. Porque pode observar, geralmente são áreas de descarte irregular de material, são áreas onde tem ocupação ilegal ou irregular das pessoas, são áreas onde têm um acúmulo maior de água e são áreas que têm muito desmatamento. Essas áreas são áreas que pega esse solo e consegue modificar sua densidade específica”.
Em relação a ferramentas de aviso e comunicação de possibilidade de deslizamentos e enchentes, o Angelo Silva afirma que leitores e receptores pluviométricos podem auxiliar no monitoramento de áreas de risco.
“As sirenes e os avisos eles realmente funcionam, mas seria mais a título de prevenção. Eu acredito que numa maneira geral, a melhor maneira de você prevenir não é só avisando a região, como um todo. Se lá não tem instalado ainda seria interessante receptores ou leitores de índice pluviométrico, porque a gente sabe, é de conhecimento geral, pelo menos assim, na área de defesa civil, que esses desastres ou esses acúmulos pluviométricos que são de forma um pouco mais diferente, é uma acúmulo que ele ocorre geralmente a cada cinco, a cada dez anos. Que esse alerta ele venha não só por SMS, mas também pela TV. A gente tem que saber que, apesar da área não ter sido colocada como área de risco, essa manutenção e esse acompanhamento das áreas é constante, permanente”.
Silva também comenta como é classificada uma área de risco. “Geralmente, essa escala de classificação ela divide-se em cinco: baixa, média, alta, muito alta e complexa. O que acontece? Geralmente, da alta pra muito complexa são áreas que estão em vales de morros, áreas que estão a frente de locais desmatados ou áreas que estão em locais em que a rocha ela pode ter algum tipo de movimentação ou apresentar fraturas”.
“O estudo ele não é permanente, ele é constante. Você tem o primeiro levantamento pra você constatar os primeiros indícios e você tem que ter o monitoramento. Porque o que acontece? Quando se faz o levantamento de área de risco, você faz pra aquela situação, avaliando as variáveis do solo. Mas tem situações que são extremas pela natureza, que são aqueles índices pluviométricos que são acima do normal. Geralmente ocorre a cada cinco anos ou a cada dez anos. Então, esse mapeamento ele tem que ser de forma constante, porque a cada momento você tá tendo desmatamento, a cada momento você tá tendo ocupação da área que pode tá gerando um escoamento irregular, ou seja, pode tá tendo infiltração do esgoto daquela população que ocupa aquela região e essa região você não tá tendo correto manejo desse material sanitário”.
Assista a mais notícias sobre o Alto Tietê