Luzia saiu de casa aos 13 anos, engravidou na adolescência e foi morar na favela. Hoje, aos 44 anos, a servidora pública é líder comunitária do local onde mora, concluiu os estudos e é autora de um livro autobiográfico que tem como foco principal a desigualdade social. 'Quero com que todos se inspirem na minha história', diz mãe que contou com apoio da família para escrever autobiografia
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
Resiliência. Essa é a principal característica da história de vida da servidora pública Luzia Santos de Menezes. Ela saiu de casa aos 13 anos, engravidou na adolescência, foi morar na favela e dizia não acreditar em si. Hoje, aos 44 anos, afirma que fez o jogo virar. Mulher negra, líder comunitária, mãe de três filhos, avó e "tia" - como é carinhosamente conhecida pelas crianças do bairro onde mora -, Luzia conta que nada disso seria possível sem uma rede de apoio.
No Dia das Mães, celebrado neste domingo (12), o g1 destaca a história da moradora de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, que contou com a ajuda da mãe e dos próprios filhos para trilhar um caminho que virou até livro.
"Não conseguiria ser a metade da mulher que sou sem uma rede de apoio. Eu não teria me tornado nada disso. Quando você entende o quão importante é receber apoio, você sai mundo afora querendo ser esse apoio na vida de outras pessoas".
Luzia Menezes e os filhos, Paulo Roberto, Paola Fernanda e Ida Poliana
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
Luzia conta que a infância dela foi muito traumática. Ela foi vítima de pedofilia infantil e essa situação acabou refletindo na adolescência. "Meu pai e minha mãe não tinham culpa, eles trabalhavam muito. Meu pai tinha duas famílias, um dia ele ficava com a gente, outro dia ficava com outra família. Minha mãe também trabalhava fora, então eu coloquei na minha cabeça que eles eram culpados e acabei saindo de casa".
Ela parou de estudar aos 15 anos e, aos 16, se tornou mãe e foi morar na Favela do Área Verde, em Mogi. "Ali perto, passava uma tubulação de gás, então era uma área invadida e de risco. Tempo depois, compramos [eu e o pai do meu filho] um barraco no Conjunto Habitacional Vereador Jefferson da Silva, que ainda estava em fase de construção".
Luzia relata que durante a pior fase da vida dela, o filho Paulo Roberto foi quem esteve ao lado dela. "Fomos morar na favela, mudamos para o Conjunto, convivemos com problema de drogas dentro de casa. Foi tudo muito complicado e ele vivenciou todas as situações".
A segunda filha, Paola Fernanda, veio quatro anos depois. Já a terceira filha, Ida Poliana, nasceu cerca de nove anos depois do primeiro filho. "Quando a Poliana fez quatro anos, me vi como mãe solteira, sem registro em carteira. Me bateu um desespero, porque eu só fazia bicos de diarista, trabalhava em barzinhos, limpava apartamentos de pronta entrega. Aos fins de semana eu varria as feiras e, no final, cada barraquinha montava um kit de alimento. Eu trazia verduras e legumes para minha casa, para os meus filhos. Mas não tinha registro nenhum".
Ela afirma que, naquele momento, precisou ir à luta. Entregou currículo em uma empresa que presta serviços de limpeza e, a partir desse momento, o rumo dela começou a mudar. Os colegas de trabalho começaram a incentivá-la a prestar concurso e voltar a estudar. Entretanto, isso só foi possível com a ajuda do filho.
"Meu filho se mostrou meu herói, sabe? Me ajudava a cuidar da casa e das irmãs, para que eu pudesse trabalhar. Aos finais de semana, ia segurar plaquinha na rua para me ajudar... Ele foi o meu grande apoio. Eu chorava muito, pois ele era só uma criança e estava me dando força. Sempre meu parceiro, sempre me dando forças por ver meu sofrimento na época", conta.
Luzia Santos de Menezes e os três filhos pequenos
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
Reencontro com a mãe
Quem também se tornou uma grande fortaleza de Luzia foi a própria mãe, com quem ela tinha perdido contato depois de ter o primeiro filho.
"O terreno que minha mãe morava cedeu durante um período de muita chuva e ela precisou vir passar uns dias na minha casa. Minha mãe foi a resposta de Deus na minha vida para muitas situações que eu estava vivendo".
Luzia Menezes descreve a mãe como um grande amor da vida
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
Com o tempo, Luzia saía para trabalhar e deixava os filhos com a avó. Só a partir da rede de apoio, física e emocional da mãe, que ela começou a trabalhar em outros locais. "Ela ficou um tempo comigo e decidiu comprar uma casa no Conjunto Jefferson, a partir disso ficamos muito próximas. Ela era meu tudo para tudo. Passeio, festas, casa de amigos e familiares, ela sempre estava comigo".
A mãe da Luzia morreu por conta de uma doença. Entretanto, a servidora conta que a mãe permanecerá sempre viva em sua memória. "Minha mãe foi minha maior inspiração, o amor da minha vida, me deu força, me tirou o medo e me trouxe libertação. Ela me encorajava a cuidar do Conjunto Jefferson, era a principal rede de apoio que eu tinha para deixar meus filhos. Me apoiava. Eu sabia que podia contar com ela".
'Tia Lu' e a criação da associação
Quando se mudou para o Conjunto Jeffersom, Luzia teve a ideia de fundar uma associação para moradores do bairro. Assim, nasceu a Associação Amigos do Conjunto Jefferson.
"Com o falecimento da minha mãe, me dediquei ao assistencialismo. O baque da perda dela foi tão grande e essa foi a forma que encontrei para me manter focada e não cair de cama".
A fundadora da entidade lembra da criação do grupo. Alguns dos momentos mais importantes para ela eram as rodas de conversa com as crianças do bairro, momento em que passou a receber demandas das famílias que moravam no local.
"Eram situações como 'tia Lu, meu pai foi mandado embora', 'por que o ônibus quebrou e não mandaram outro ônibus?', "tia Lu, meus pais brigaram e os dois se machucaram" ou "tia Lu, minha mãe foi mandar currículo e riram da cara dela". Isso foi me causando revolta, mas eu não sabia para onde ir para resolver e comecei a jogar tudo nas redes sociais", conta.
Luzia e as mulheres que fazem parte da Associação Moradores do Conjunto Jefferson
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
Luzia relata que no começo foi difícil, porque ninguém queria participar. Entretanto, com muita determinação, o grupo de atuantes da associação ficou completo. "Os que aceitaram participar estão comigo até hoje. São 12 mulheres periféricas maravilhosas, que me ajudam muito, nós vamos para cima e fazemos acontecer", relata.
"Quando eu parei para pensar na minha situação, com um trabalho, fazendo faculdade, pensei 'poxa se deu certo para mim, imagina para a molecada do Conjunto Jefferson'".
'As diferenças que nos separam'
Ao refletir sobre a própria trajetória, Luzia relata que tudo o que ela viveu despertou o desejo de escrever uma autobiografia. Foi assim que nasceu a obra "As diferenças que nos separaram".
"Meu amigo Paulo Pinhal conversou comigo e disse que topava fazer toda a parte burocrática do livro. Ele também me deu de presente as ilustrações que têm dentro. Quero alcançar outras pessoas que passaram pelo que passei, e quero vê-las conquistando o espaço que elas quiserem. Eu consegui mudar a minha realidade, consegui criar três filhos e eles mudaram a própria realidade, e quero fazer com que todo mundo se inspire na minha história".
"Foram muitas noites sem dormir, sem saber o que fazer em momentos de decisão, tinha um medo danado de falhar... Então, ver que consegui fazer tudo, por mim e pelos meus, é sensação de missão cumprida", finaliza.
Luzia Menezes ao lado do amigo Paulo Pinhal
Luzia Santos de Menezes/Arquivo pessoal
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