ECONOMIA
Resultados de inflação e incerteza com o rumo dos juros americanos continuam pesando sobre os negócios no Brasil. Só a prévia da inflação de janeiro, melhor que o esperado pelo mercado, sustentou o índice contra uma sequência maior de baixas. Painel mostra variação de mercado na B3, em São Paulo.Amanda Perobelli/ReutersO Ibovespa, principal índice de ações da bolsa de valores, não vivia um início de ano tão morno desde 2016. Nos dois primeiros meses do ano, o indicador teve uma sonolenta queda de apenas 3,85%, chegando aos 129.020 pontos.Essa é a menor variação percentual do Ibovespa em oito anos, seja para cima ou para baixo. O levantamento foi feito por Einar Riveiro, CEO da Elos Ayta Consultoria, a pedido do g1.A falta de movimentação do mercado acionário é uma combinação de dois fatores, que atuam em sentidos opostos:a inflação persistente nos Estados Unidos, que empurra para a frente o início dos cortes de juros por lá e pesa sobre os ativos de risco pelo mundo;cenário benigno da economia brasileira, com destaque para a inflação controlada, que ajudam a impedir uma queda mais brusca do Ibovespa.Juros americanos ainda pesando sobre os mercadosO ano começou negativo para a bolsa brasileira, que viveu o pior janeiro desde 2016, com uma queda de 4,79%. A desvalorização de ações de commodities, puxadas por uma preocupação com a economia chinesa, o pedido de recuperação judicial da Gol e a cautela com o cenário fiscal brasileiro foram os principais problemas.E outro ponto ganhou destaque no mês passado: as incertezas em relação à redução dos juros nos Estados Unidos. No início do ano, a maior parte dos analistas apostava em uma redução de juros já nas reuniões do primeiro trimestre. Mas os sinais vindos do Fed, apoiados nos dados de uma economia ainda forte, fizeram os analistas recalcularem a rota. Hoje, já há grupos que apostam em um corte apenas no segundo semestre. Especialistas consultados pelo g1 explicam que, para entender o resultado do Ibovespa neste primeiro bimestre, é importante olhar para o retrovisor e entender as movimentações que o mercado viveu entre novembro e dezembro de 2023.Em meio a uma forte expectativa pelo início do ciclo de cortes nos juros nos Estados Unidos, sempre que o Fed dá sinais positivos, o apetite por ativos de risco no mundo todo aumenta. No fim do ano passado, em momento mais otimista, houve um forte fluxo de capital estrangeiro para a B3: foram R$ 21 bilhões em novembro e R$ 17,5 bilhões em dezembro.Na virada para 2024, porém, o cenário começou a se inverter, com indicadores econômicos dando sinais de que o tão esperado corte poderia demorar mais a acontecer. Em janeiro, o relatório de emprego "payroll", registrou a abertura de 353 mil novas vagas de emprego em dezembro, muito acima das expectativas do mercado, de 187 mil. Um mercado de trabalho muito aquecido tende a continuar gerando aumento de salários e pressão inflacionária sobre a economia. E, de fato, gerou. A inflação ao consumidor anual subiu a 3,1% no mês, mais do que era projetado, de uma alta de 2,9%.Se isso já havia mexido com os ânimos do mercado, a última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), então, foi um balde de água fria. A instituição optou por manter suas taxas inalteradas entre 5,25% e 5,50% ao ano, com Jerome Powell , presidente do Fed, afirmando ser pouco provável uma queda nos juros já nos próximos meses.Segundo Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, o mercado havia ficado "muito ansioso" no fim do ano, porque as últimas comunicações do Fed davam sinais de que os cortes poderiam começar em março, o que trouxe os investidores para cá. Porém, para além da postergação desse ciclo, as perspectivas sobre a magnitude dos cortes também mudou para pior."Então, se um dia a gente já pensou em começar a cortar em março com sete cortes neste ano, hoje a gente já pensa em talvez três cortes neste ano, se eles começarem em junho. Então é uma mudança de perspectiva muito grande e isso, claro, tem um efeito na curva de juros", afirma.Neste contexto de juros ainda elevados nos Estados Unidos, o investidor volta a se interessar nos títulos públicos americanos (que são remunerados com base nas taxas do Fed), e "o apetite por risco dos estrangeiros se reduziu e os resgastes impactaram o nosso mercado", explica Nilson Marcelo, analista quantitativo da CM Capital.Eleições nos EUA: Entenda processos que podem afetar a candidatura de TrumpBrasil sem grandes destaquesEm meio a toda essa incerteza em relação aos juros americanos, o cenário doméstico ficou em um plano secundário no primeiro bimestre do ano."A gente não tem um vetor técnico local ainda muito pujante", comenta Matheus Spiess. ele destaca que o país passou o período "muito sensível aos juros americanos".Mas fatores internos ajudaram ao menos a segurar parte do impacto da redução do apetite ao risco no Ibovespa. Vanessa Fiorezi Lui, economista e especialista de renda variável na WIT Invest, disse, em nota, que a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) veio melhor do que o esperado, o que ajudou a impulsionar a bolsa nos últimos dias de fevereiro.O indicador, que é considerado a prévia da inflação oficial do país, registrou uma alta de 0,78% nos preços em fevereiro, contra expectativas de alta de 0,82%. No dia da divulgação do IPCA-15, nesta terça-feira (27), o Ibovespa subiu 1,61%."Essa desaceleração da inflação e a expectativa de continuação dos cortes nas taxas de juros [brasileiros] impulsiona muito a B3. Além disso, dados da China e a reforma tributária também contribuem positivamente", pontua a economista.