Na visão de Jannes Rodrigues, advogada e vice-presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir) de Mogi das Cruzes, reconhecer-se negro é um importante passo para a valorização da cultura e história negra. Advogada explica como a origem de falas populares contribuem para a manutenção do racismo
O combate ao racismo precisa ser uma luta de todos. Por isso, é importante refletir sobre como algumas falas podem incentivar a discriminação racial. É necessário se atentar com a forma com que nos expressamos. Jannes Rodrigues, advogada e vice-presidente do Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir) de Mogi das Cruzes, explica como a comunicação pode ser uma ferramenta de combate ao racismo.
“Nós temos que nos policiar o tempo todo realmente, mas começa em reconhecendo que não foi uma história romântica. O que houve foi quase 400 anos escravizando pessoas. Então, quando a gente entende o conceito de tudo isso, fica mais fácil pra você ver o outro como, se você pensar "seria se fosse comigo?" já ajuda bastante. Porque empresas colocam funcionários mas não dão visibilidade, as pessoas fazem brincadeiras que alguns anos, apesar de tristes, eram permitidas. E hoje está inclusa na nossa fala, na nossa cabeça, hoje se tem que trabalhar todos os dias pensando exatamente nisso”.
A advogada afirma que a ideia de que no Brasil "somos todos iguais" é problemática. “Já ouvi muito a questão de "somos todos brasileiros, brasileiro é um povo miscigenado e somos todos negros". Não, não somos. São miscigenados mas nem todos negros. Uma parte da população, maior parte da população sim. Então, quando você sofre na pele, quando você tem a cor negra, mesmo não sendo retinto, você precisa entender que, assim, o negro sofre de uma história antiga. É uma reparação histórica dar valor à luta dele. Você não consegue hoje, uma pessoa branca e uma pessoa negra estarem no mesmo lugar carregando 400 anos de luta, de escravidão, de sofrimento. Nós passamos por isso hoje e nós temos que fazer essa reparação histórica pra que, por mais que a gente lute, a gente chegar e colocar na cabeça das pessoas de uma forma clara que não é favor, é direito. Nós temos que ter isso. Por isso o Estatuto da Igualdade Racial ele já prevê em todas as áreas, já prevendo, participando dessa reparação histórica".
Na visão da advogada, reconhecer-se negro é um importante passo para a valorização da cultura e história negra. Ela conta que família deve ser presente neste processo.
“Começa na família, porque existe também uma grande dificuldade que, parece que não, mas é muito difícil se reconhecer negro. A pessoa tem que se reconhecer negra, a criança tem que se reconhecer negra, reconhecer que o cabelo dela é bonito, não deixar que chegue na escola e fale: "olha, seu cabelo é feio". A família tem que orientar pra criança saber se defender disso, saber falar. Se aceitando como negro fica tudo mais fácil, porque ela vai saber que ela pode estar onde ela quiser, ela vai saber falar e não aceitar esse tipo de coisa. Tem uma escola, Paulo Ferrari, que tem um projeto que trabalha com crianças e adolescentes, adolescentes do ensino médio, e traz isso pra dentro da escola e da família. A família tem que se reconhecer enquanto negra, apoiar os seus filhos, apoiar a sua família pra poder crescer junto nesse sentido".
Por fim, Jannes também relembra que o ambiente de trabalho precisa, além de ser diverso, inclusivo para a população negra. “Às vezes a empresa contrata o negro pra cumprir a questão social, mas ela não dá visibilidade pro negro. Hoje em dia é muito difícil você ver um homem negro CEO de uma grande empresa. Ele [empresário] tem o negro contratado porque ele cumpriu uma cota. Mas ao mesmo tempo que ele contrata ele cala, está sendo racista do mesmo jeito. Porque não adianta você dar oportunidade pro negro até a página dois, porque ele não pode falar, ele não consegue se expressar, ele não tem visibilidade. Não basta só contratar, você tem que dar voz e visibilidade pro negro”.
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